terça-feira, outubro 31, 2006

Devo chegar atrasado, mas chego.

- O que acontece?
- Ah, sei lá, qualquer coisa assim…
- Qualquer coisa assim?
- É…
- Tá menstruada? Tá foda?
- Não. Mas tá foda sem eu tá menstruada mesmo.
- Hum.
- Qué sorvete? Passear na praia? Ver cavalos? Ir ao circo?
- Não, não quero nada.
- Puxa, nem café com tiramissu? Bolo de chocolate? Brownie? Chá? Cappuccino do caffè do centro vazio no domingo? Pensa só, hein, aquele caffèzão enooorme, só pra gente, ninguém nem nada mais, nem garçons, nem chaturas menos frituras. A gente vai lá e passeia pelo salão pulando como bolhas de sabão... Ou então: Cine alegria? Cine fantasia? Cine blasè? Glamourama?
- Não, tsc… não rola…
- enjoadinha, é?
- É.
- Então vamos fazer nada.
- Êba!

Assim pode ser minha frô num dia desses, né frô?
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Nova aparição do "Tá no Perfil", mais uma vez empurrando uma singela cadeira de rodas pelas mesas do café avenida com um velho milionário.

domingo, outubro 29, 2006

Bonifácio.

Ele agoniza pelos cantos da casa. Está velho, pesado, sôfrego. Dói-me o coração vê-lo assim. Um sujeito que era tão vivo, pujante de disposição e vida. Eu o via como um sol, um impulso a viver. Mas agora, tudo o que ele representa ao mundo é nada mais do que um arquétipo da decadência.

O meu amor não morre, não vai com a ida da alma à barca do inferno, purgatório ou paraíso. Ele é para mim um cânone de vida e foi com ele que aprendi a maioria das coisas que sei. Ele me cantava “bidubidubidu” com um empenho tocante. Encarava os revezes sempre de cabeça erguida, peito aberto e língua babante-esvoaçante. As tragédias, bicudas de babacas e carinhos incompreendidos eram respondidos por lambidas doces e sinceras. A ingenuidade, o mono-desejo alucinado de foder todas as cadelas no cio, a honestidade para com os seres ao redor, todos os elementos desse indivíduo só me trazem mais fofura à língua e pesar por saber que o dia do juízo final se lhe aproxima.

Antes mesmo de morrer, ele jaz ali no chão de taco, moribundo, me assiste longamente, paciente. Ele não tem medo de nada. Apesar de todo o cansaço pela idade, pouco mais de uma década, ainda se levanta e demonstra ferocidade quando qualquer coisa estranha se movimenta em frente à casa. Protetor, diligente, esperto, carinhoso. Esse é o Bonifácio, que já demonstra que o fim se aproxima. Minha tristeza só não é maior porque sei que ele viverá num paraíso muito melhor do que aqui, onde haverá ossos gordos para ele roer, crianças hiperativas como ele para brincar, cadelas constantemente no cio, as mais lindas puddles, chiuauas, bacês, cockers, todas as suas preferências. Seu membro lhe será complacentemente restituído e todos os problemas e dores de um mundo escroto cheio de mutilações cruéis serão apagados de sua memória. Um cão que mesmo sem rabo, desde o nascimento, e sem pênis, desde a revolução boêmia, continua fofo e adorável.

O Terceiro Plano nunca mais foi o mesmo depois que seus passeios públicos se limitaram à esquina da Rua Tramandaí, com objetivos meramente demarcatórios. Desde esse dia de carnificina descabida, as cadelas agonizam, esfregam-se umas nas outras e no chão tentando suprir uma carência que só ele sabia preencher. Os cios agora são para elas períodos de sofrimento intenso. E é muito possível que esse tenha sido o motivo da sua caducidade, o desgosto de viver desmembrado, sendo desumanamente forçado a ter apenas a comida como prazer. Todo e qualquer ser vivo precisa de três prazeres elementares para a manutenção da vida: Comer-beber, dormir e trepar. Meu melhor amigo foi privado de um deles que é tão ou mais importante do que os outros em determinadas fases da vida.

Vou sentir saudade de chegar em casa e ser recebido com lambidas, pulos contentes de pata suja na camisa branca, corridas pelo jardim em busca do tapete. Viva o Bonifácio, o cão mais legal do mundo. O cão da vida, intrépido, para quem não havia barreiras que impedissem a celebração da vida, o sorver do sangue, o gemer das cadelas.

Ela não sabe das coisas.

Tens tanto a aprender. Quero tanto te ensinar. Aprende, escuta, bate, mata, te come e me entrega os teus pedaços já mastigados. Eu vou amaciá-los com lucidez, apalpá-los-ei como se mamilos delicados de prostitutas fossem. Dá-me o que quero e te deixarei em paz. Far-te-ei doces desenhos com aquele chocolate derretido que enfiaste em meu bolso, a contragosto. Devassa, querias mesmo era agarrar-me o membro. Não me importo com tua burrice, teus cabelos que recendem pêlo pubiano, tua boca seca descuidada, teus dedos magros, finos e compridos que nunca viram bons tratos, calejados, suplicantes de membro, membro…

Sei o que queres tanto quanto tu mesma. Sabes que sei e ainda assim te empenhas em me diluir. Quem pensas que enganas com essas jogatinas tolas? Bobos são tu e teus pais que te conceberam. Chama-os que eu lhes direi aquelas mesmas máximas indizíveis que te disse quando gozava na tua cara. Os nervos se me crescem desestimulados. As nervuras se condensam. E tu te afunilas diante da minha visão em teu próprio vão.

Eu vejo o ópio, o vermelho do fim, as pombas alvas que se distanciam num debandar desesperado. Vem, não vai vadiar não, vadia, vem aqui e me cospe no pé que te dou um bico na fuça. E se te sujares, limparás sem um pio.

A chama que abranda também queima, ainda que tornada em brasa. Por isso que te digo, safada, toma teu cuidado e não te misturas com o povo. Comer-te-ão impiedosos; lançar-te-ão diretamente às chamas. Troçarão de teus modos, choros irritantes, da tua atitude de sem-postura. Viver uma vida plástica, do glamour laico, de bizarrice, geralmente termina assim.

És burra como um animal. Eu te dediquei tanta paciência e boa vontade. Não quiseste. Agora morre esconjurada pelo velho campo. Rogos não me convencerão. O segredo, ou verdade, da carne e da felicidade contínua te foi dito, agora decide o que fazer com isso sozinha, não mais darei palpites.

Um dia tu aprenderás, nem que seja no leito inflexível. E então, meu bem, não haverá mais aonde voltar.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Carta ao Sr. Buk.

Dourados, 26 de Outubro de 2006.

Ilustríssimo Sr. Bukówski, há tempos que venho pensando em escrever-lhe uma carta, mesmo não sabendo muito bem o que dizer, ou do que tratar.

Gostaria apenas, não unicamente, de contar o quão escroto meus dias têm sido. Embalados pelo senhor e por seus escritos, envolvi-me em uma aventura vertiginosa através dos altos e baixos do labirinto espiritual do qual o senhor nunca tratou. Há certos indivíduos que não me compreendem em absoluto quando falo de deus e dessas coisas mais. Eu gostaria de saber do senhor, assim, decisivamente: o que o senhor pensa disso tudo?

Isso sem falar na odisséia que empreendi há meses atrás em busca de qualquer coisa que não fosse paz. Foi muito culpa sua também, hoje sou levemente desrespeitado porque não trouxe exatamente os títulos que os Doidos Varridos esperavam de mim. E eu, tolo, ainda fui cair na besteira de, dia desses, dizer vaidoso a um deles: “De Fulham Broadway a Forest Gate, conheço todos os puteiros, bodegas, botecos, e biroscas contraventoras que comercializam álcool depois das onze e meia, sem falar de outras cidades”. “Áh, e eu que achava que você traria títulos!”, disse ele.

Sinceramente, eu acho que o senhor poderia ter escrito algo um pouco menos consubstancial, e que englobasse mais esferas do ‘fracassado saber humano’, como considero a sua opinião segundo inferências que faço do senhor.

Apesar de tudo, e das críticas que têm se levantado contra mim por outros, e por mim mesmo, devo admitir que sou um dos poucos que viveu o seu personagem. Talvez não com a clareza necessária, com alguns remendos faltantes; deturpado, mas vivi. Talvez seja esse o termo. Um vividor livremente embasado. Um Zé levemente inspirado. Inspirado? Putz, que droga, eu particularmente acho essa palavra um pouco bréga, mas tudo bem, já foi.

O que importa é que admiro muito a sua escrotisse desinteressada e acho que se o mundo todo fosse escrotamente indiferente, as coisas poderiam ser um pouco melhores. Se o senhor fosse candidato à presidência, eu votaria; há um barbudo que se parece um pouco, mas certamente não é o mesmo bom e velho Buk - perdoe a minha cumplicidade artificial.

Bom, Sr. Buk, vou terminando por aqui porque amanhã os cristãos desgraçados, que não vão receber a bênção nos domingos, estão fodidos, e eu sou um deles. Mas gostaria de deixar claro os meus honestos agradecimentos a todos os (des) serviços que o senhor prestou à minha influenciação babaca e espúria, e que o senhor tenha uma longa vida aí junto com o Baco, o Diabão, e toda essa turma da pesada que agita a vida aí nas profundezas da Casa do Caralho.

Ah, olha só, Sr. Buk, eu esqueci de perguntar: como funciona essa história de morrer com complicações de alcoolismo? Eles lhe dão rins, fígado, estômago, coração, ou o que precisar de novo? Como que é? Porque ir pro inferno e não poder beber deve ser cabrêro hein. Sério mesmo, me conta que eu preciso saber, afinal ainda tenho tempo de me preparar.

Hehe, no mais é isso, velho Buk, um grande abraço de um de seus maiores puxa-sacos aqui da vida. Cuide-se, hem bicho, não dá mole pros usurpadores, nem pros agiotas, e evite passar pelo círculo dos padres pederastas; putz, aquela galera é fóda. Foi um prazer tê-lo conhecido.

Cordialmente.

Tiago Muzulon.

Dizer é enlouquecer.

- Ela perdeu o controle.
- Está louca.
- Completamente.
- Eu estou passando mal.
- Também?
- Aham.
- Quem se importa?
- Você devia.
- Eu não, saiba então que ninguém se importa! Ouviu o que eu disse, ninguém se importa!
- Mas eu estou passando mal, pontadas no peito, há um gancho içando meu coração, acho que vou enfartar.
- Foda-se, é como são com você todos os dias; com você, comigo, com ele, con todos!
- É sério, me ajude.
- Foda-se! Foda, foda, foda, fo-da-se! Hahae! Hihi! Se fodeu, se fodeu. Biriri! Siriri, Cururu!
- Eu vou embora, quem é louco...
- Dói?
- Muito.
- Bem feito! Já comí, bebí, nada mais me prende aquí.

terça-feira, outubro 24, 2006

A Volta do "Tá no perfil".

Publiquei uma história em Julho sobre um corretor de imóveis que dizia tanto “Tá no perfil” que Nós, Eu e meu tio Kibe, o alcunhamos disso. Dia desses algo incrível aconteceu. Veio o Kibe me dizer:

- Alas, ô Kibe, você não sabe quem que eu vi.
- Quem?
- O “Tá no perfil”.
- Hahshah, ele tava corretando casas toscas aos pedaços e dizendo insanidades das mais absurdas para algum candidato à trouxa?
- Não, muito pior.
- O que fazia o Fita então?
- Empurrava um daqueles velhos milionários por jardins gramados da Vila Itaipú, todo vestido de branco, parecia um pai-de-santo.
- Kkkkkkkkk. Ele devia era sendo gigolô do velho, lembra dele contando das fitas dele em Manhattan?
- Lembro! Kkkakak. Ou, aquele “Tá no perfil” é doido, louco, doente, na moral, o cara já perdeu completamente a noção.
- É, um dia o cara é corretor pilantra de casas toscas no além; fala aquele monte de merda, e agora o cara me aparece de enfermeiro. Na moral, é o fim da picada.
- Kkkkkkkkkkk.

Abaixo, o texto do “Tá no perfil”.

“Fomos buscar um corretor de imóveis para ver a casa que meu tio quer comprar. No caminho, ele já me avisava: “cuidado que o cara é meio kibe”. Dei risada e seguimos.Em alguns minutos haveria um sujeito absolutamente cheirado no banco de passageiro do meu carro cuspindo mais insanidades por minuto do que eu faço em um mês.
- Tá no perfil, bora lá, bora lá moço, é por aqui.
- Onde fica a casa?
- É longe moço, mas vai indo, segue reto e tora o pau.
- Cacete, tem terra?
- Tem. Mas vai moço. Hum, você tá no perfil, quem é esse menino, ele tá no perfil?
- Ele é meu sobrinho.
- Hum, eu tenho uma filha de dezesseis anos, e gostosa. Mas você sabe comé qui é né, vai ter que me pagar, e custa caro. Donde cê veio?
- Eu vim do mundo.
- Hum, num fica falando isso pras pessoas não que isso vai vira merda, eu conheço todo mundo aqui, já levei quatorze tiros e estou vivo, olha só, tenho marcas aqui e aqui e ali.
- Que fita.
- Cara, logo meu sobrinho vai se cansar de você.
- Que nada, ele é do perfil, mas vem cá, o jóia, donde você vem?
- Daqui mesmo, cara!
- Como, se eu nunca te vi por aqui?
- Ele passou uns dias em London.
- Ah, hum, speak english? He’s handisomi, handisomi.
- Who’s handsome?
- Moi.- Hum, tá no perfil, bicho, vô ti arranjá um emprego na cultura inglesa, eu conheço a dona, ela é minha parceirona de putaria, gente boa, milhonária, tem vários carros importados, coroa e solteira, se você quiser ainda arranha um biteco. Mas cê sabe comé qui é né, cê vai ter que me pagar e é caro. Cê tem dólar aí? Lá fora é assim, tudo é pago, todo mundo si fodi, intão cê já sabe comé qui é.
- Não.
- Euro?
- Também não.
- Pô, meu, mas tudo bem, cê me paga depois, di outro jeito.
- Não vou te comer, cara.
- Não, não é isso que quis dizer, ai como são bobo essis moço dojindia.
- Diboa.
- Mas olha só, minha filha tem dezesseis anos i é filé, queimou todo o patrimônio do namorado dela com gasolina de carro e pó e ainda fica menosprezando a mesada que eu dô pra ela. Ô bicho, ela é modelo, entra no site dela aí depois, vô anotá qui procê. Gostosa. Mas olha só hem bicho, cê vai tê que me paga.
- Diboa.
- Cê tem carro?
- Ué, olha aí, não tá vendo?
- Ai, mas isso, essa caranga aqui é velha dimais pra carrega meu tisoro, mas tudo bem, eu te empresto o meu carro, mas olha só em bicho, não quero você pegando ela por aí não hem, vai lá pra casa, eu moro num apartamento grande e vocês podem fica tranquilo lá.
- Ah é, mas e o emprego.
- Arranjo procê também, porque cê sabe né, eu só ajudo assim minininho no perfil, bunitinho, e cara, cê é no perfil, cê fala o ingleis britânico, é no perfil, e si brincá ainda come a muié.
- Aiai, tá bom cara.
- Olha só bicho, eu vou fazê um frango xadrez domingo lá em casa procê conhecê a minha filha. Cê gosta de frango xadrez, o bicho? Gosta?
- Gosto, ôpa.
- Intão tá combinado, eu vô ti busca lá na sua casa.
- Mas você nem sabe onde eu moro.
- Mas me fala aí já, oras.
- Não, depois você liga.
- Beleza. Mas vou hem.
- Cara, eu sei comé qui é, eu também já morei lá fora. Ráhhhh, aqui são quatro anos di Manhattan meu jovem, também já fui no perfil. Vivi lá só comendo cú de velha rica, e eu fodia e elas me pagavam e dólar caía. Vivi lá bicho, quatro anos. E era só no viagra também né, o coração pulando qui nem doido e eu metendo, arrebentando aquelas véia lá tudo. É bicho, o sistema é bruto lá fora, cê sabe comé qui é, si num fosse isso, eu num tinha nada hoje. Êta veiarada do dólar, mas era bom hem.
- Aham, você tomava viagra ou cheirava pó?
- Hshshshshs, ô moço, fala issu não, shhshsh. Óia só moço, fala nada disso que eu ti disse tá, nada. Quer uma cobertura? Tá vendo aquela ali, eu tô vendendo, o cara faliu com lavoura e tá vendendo desesperado, só duzentos pila, tem piscina e tudo mais. E aquela ali? Ô bicho, tô cheio de cobertura pra vendê, me fala só o tipo de prédio que te passo. E naquela ali é só filé qui mora hem, cheio de gatinha na piscina, tudo filhinha de papai que não faiz nada o dia intêro, só fodi.
- Cara, eu não tenho grana.
- Ah, mas um dia vai tê, bunito dessi jeito. Olha só bicho, eu vô te empresta meu carro e você vai andá com a minha filha usando óculos italianos e aí tudo essas filhinhas di papai vão te querer, mas você vai ter que fica só com a minha filha, tá entendendo ô bicho, e nada de putaria na rua hem, beleza?
- Beleza cara, agora vai aí, chegamos de volta ao Adelina Rigotti, vai aí cara, falou, abraço.
E nessa viagem alucinada fomos a periferia zero da cidade ver uma casinha basicamente construída que o tal corretor estava vendendo. O cara não parou de falar e falar em um único segundo. Eu e meu tio concordamos em unanimidade sobre a condição ‘pozística’ do cara. Foi surreal, absolutamente surreal.Quando digo que sou um centro convergente de acasos desfacetados de vaidade, não é por acaso”.

sábado, outubro 21, 2006

La Notte, di Muzzoloioni.

O telefone toca, trim, trimmmm, trim! Corro a atendê-lo.
- Tiago?
- Sim, Plú?
- Aham, e aí, quê você tá fazendo?
- Nada de mais.
- E o que vai fazer?
- Não sei, talvez estudar o teatro vicentino.
- Mas isso não cai no vestibular, cai?
- Um pouco, mas nem é por isso, eu gosto de às vezes estudar coisas chatas, me torturar, sabe, sujeitos precisam se molestar pra atingir alguma coisa.
- Profundo.
- É nada, é uma bosta.
- Vamos sair?
- Eu ia te dizer isso agora.
- Então vamos, eu terminei com o meu namorado, ai, não agüentava mais, mandei um email destruidor.
- Bom, finalmente uma atitude. Mas e agora, vai continuar usando a desculpa do namoradinho que mora longe, mas é namoradinho, para não trepar?
- Ai, não sei, eu gosto dele, mas é que não dá mais, vivo estressada, ai, não agüento mais isso.
- Entendo perfeitamente. Sabe que aqui a minha casa está sempre às ordens. Vamos sair hoje então pra você desbaratinar essa chatura toda. Quando te pego?
- Vinte minutos? Eu estou pronta, você está?
- Beleza.

Uma coisa seriíssima na vida de um sujeito é urinar. Na verdade, são três as coisas. Há o primeiro momento do dia, quando o sujeito enfrenta a privada branca e seu pinto está com a ponta colada. Há uma explosão seguida de um espirro que molha e urina todo o banheiro. Vovó e as mulheres em geral costumam reclamar demais disso. Mas eu não ligo, faz parte da natureza. Uma outra coisa séria é quando você já está acordado e não espera que o pinto esteja com a ponta colada, mas ele está, e a mesma merda acontece. Um terceiro momento é quando você erra. Esse último é mais natural, creio eu.

Tomar banho ou não? Havia tomado de manhã, pensei que bastava. Lavar as axilas ou não? Pra quê?!, deixe o termômetro da necessidade de banho funcionar naturalmente. Troquei de roupa, penteei o cabelo, passei algum perfume no couro e saí loucamente na caranga vinho com uma garrafa de Heineken que já estava no freezer gelando para eu tomar quando acabasse de ler sobre o teatro vicentino. A Plú despediu-se docemente de seus pais que assistiam a Mazzaroppi quando me viu estacionar na frente da casa.

- E aí, tá melhor de quando me ligou?
- Sim, tô animada hoje. Ele é um filho-da-puta, eu fico aqui me acabando e ele nem se importa, até a irmã dele me apoiou.
Aiai..., pensei lançando um sobrolho a ela.

Fomos até a casa de uma amiga conseguir convites para o lançamento do cantor pop da cidade. E foi surreal! Havia duas mulheres fabulosas, uma só tratava de homens por seus sobrenomes. A outra era maior ainda que a primeira, mas parece que se sentiu envergonhada e sentou-se no sofá. Seus dedões do pé eram jurássicos, e eu tive medo. Elas falavam de sobrenomes, depois falaram da matança animal, uma relatou sua experiência vendo o avô carnear uma vaca na fazenda, e a outra contou que certa vez matou um porquinho-da-índia à pauladas no quintal da casa onde morava com a família. Diz ela que ainda sofre pesadelos.

A luz da sala estava apagada e pouco pude ver da beleza delas, mas eram deusas. Um doidão forte que usava boné enterrado logo chegou trazendo convites e uma cerveja. A minha Heineken já havia acabado e tomei um gole da dele. Estava choca. Enfim partimos do ambiente escuro e cheio de deusas cavalares, que na verdade me causavam certa ojeriza por serem demasiado … demasiado… tolas.

Chegamos à festa e o lugar estava ótimo, muito bem decorado, cheio de pessoas bonitas e fitas nenhuma para acontecer. A Plú encontrou algumas amigas divertidas e simpáticas e ficamos em volta, de bobeira. Mais tarde o homem subiu ao palco e tocou músicas suas com famosas do Jorge Ben. Dançamos. A noite não estava para nós e, após bebermos algumas boas latas de cerveja, resolvemos ir embora. A noite seria dos elektro.

A chácara era distante da cidade e tínhamos que passar por estrada. Eu não havia checado a quantidade de gasolina no marcador e… ficamos no caminho. Num lugar ermo, havia apenas eu, a Plú e a caranga da Vovó.
Vou ligar pro kibe, pensei, e disse:

- Plú, há três opções, ligar pro Kibe, ligar pro Kibe, e ficar aqui. Qual delas você prefere?
- ah, estamos diboa aqui, já bebemos algumas, liga pra ele e quando ele puder, ele vem, mas nem esquenta.
- Beleza.

Não disse mais nada e pulei em cima dela como o meu cão-carneiro faria em seus tempos de boemia. A caranga fedia à gasolina, embora estivesse seca, e a Plú me lambia recendendo - dela - um perfume dulcíssimo, delicioso, que me deixava louco de vontade de sugar toda aquela carne vulvar. Adoro mulheres cheirosas, e esse foi o único momento da noite em que pensei: “Puxa, como valeu a pena passar por tudo para estar aqui”. Quando digo passar por tudo me refiro à chatice de agüentar um músico chinfrim tocar bagaceiras, à chatice de suportar a dor latejante do membro durante quase todo o tempo ao lado de uma mulher tão fragrantemente exuberante, e sem falar na chatice de ter de ouvir todos os blablablás que uma mulher que tem várias bolsas e sapatos tem para dizer após romper com o namorado de anos que estuda fora e só a vê quatro vezes por ano, e que nem nessas raras ocasiões a satisfaz satisfatoriamente. Doce virgem que era, assim se dizia. Podia até ser, em se tratando de namorar um vèado, mas que sabia das coisas sabia.

Uma outra das seriíssimas incongruências que não entendo é esta: por que as mulheres interioranas insistem em se dizer virgens? Por que, meus gloriosos deuses tutelares das intempestividades? Por quê? Mulheres já feitas, que fazem coisas na vida, pulam n'agua fazendo tchbum há muito tempo, têm cara-peito-rosto-e-alma, e ainda acham bonito dizer tais coisas, por quê?

Incógnitas que jamais entenderei(emos).

O Kibe levou gasolina para nós e fui deixar a Plú em casa. Eu teria que trabalhar no outro dia um pouco cedo e preferi não dizer-lhe que estava sozinho. Ela foi toda a viagem falando, ininterruptamente. Descarrilou todas as suas fofocas, angústias, trique-triques femininos e demais coisas sobre o recém-ex-namorado-vèado. A Plú é absolutamente uma mulher convencional, daquelas que usam salto e saia, pintam as longas unhas de vermelho, ora de branco, ora de preto, e falam, principalmente depois de um coito que há muito almejavam ardentemente. Mulheres que namoram à distância têm uma forte inclinação à histeria, pois falta-lhes o essencial. Apesar de tudo, quando me lembro do cheiro dela, do odor que sua vulva espargia, dos toques lépidos e surpreendentes, tudo se recompõe e se justifica nos mínimos pormenores.

Fui levar o Bonifácio para vacinar. O Kibe foi no porta-malas com eles, o Bonifácio e a Nanica. Ele foi rebolando e bocejou quando o homem deu-lhe a agulhada, de descaso. A Nanica chorou, mas depois a alisamos afetuosamente e passou.

Vovó vazou e deixou-nos a casa, além de um vazio enorme. Vovó é muito sistemática (nome bonito para designar chatos), mas faz uma falta doída.

Scenic Railway, mon raison est definitive!

terça-feira, outubro 17, 2006

Blás, záz, cás.

Há memórias que se impregnam em nossas mentes. Memórias de coisas assim. Coisas assadas. Eu tenho comigo que muito dessas coisas só ocorrem a mim. Mas não pode ser verdade. Tem de acontecer com outros. O homem na estação rodoviária veio e me disse:

- E então, rapazeada, deu certo né, finalmente voltamos.
- Pois é, rapaz, que bom vê-lo por aqui.

Tínhamos nos encontrado na viagem de ida no mesmo local, e voltávamos do mesmo jeito, no mesmo dia, e mesmo horário.

- E como é que foi o seu feriado?
- O meu foi tranqüilo, de boa, e o seu?
- O meu foi uma loucura. Eu fui à cidade das Serras escondido da minha mulher para resolver alguns problemas de banco com a minha ex-mulher. Rapaz do céu, mas a bicha é ciumenta hem! Não podia nem sonhar que eu tava indo.
- Ave, mas e aí…
- Aí que eu despachei ela pra casa da mãe e disse: “Ólha, fica aí bem quietinha na sua mãe que eu vou ter que trabalhar no feriado”. Mas não é que a mulhé, boba que não é, desconfiou. E desgramou a ligar, e liga daqui e liga de lá. E pediu pra que eu ligasse pro celular dela do número de casa, mas eu não tava em casa e ligava do meu celular, daí eu dizia que era porque o telefone de casa tinha dado defeito, e ela não acreditava. Rapaz, foi terrível.
- E como que você foi fazendo pra enrolar ela?
- Ah, eu liguei pra um amigo em Dourados e pedi a ele para ligar pra ela, do número dele, mas só dar umas chamadas e desligar. Feito isso algumas vezes, eu retornei a ligar pra ela do meu celular e dizia que não tava dando para ligar do orelhão. Depois peguei um outro chip que tenho e liguei de novo, agora dizendo que ligava do celular de um amigo meu, que estava junto, e que ela podia ver que o número era de Dourados. Mas aí foi um rolo danado.
- E ela acreditou?
- Tá indo, mas tá bem desconfiada. Acabou de ligar e tá puta da cara, disse que se descobrir qualquer coisa, me mata.
- Eita, e o ônibus tá atrasando, será que você consegue chegar lá antes dela?
- É o que eu espero. Se ela descobrir eu tô fodido.
- É.

Quem não sucumbe a certos desejos nunca sabe o que é ser derrotado, levado, corrompido. A ira fugaz que existe em nós é sempre mais pujante. Tolo é aquele que ainda insiste em dominar algo tão tenaz. Sim, dei-me por vencido e prefiro a humilhação da sucumbência à dor de uma vitória solitária e sem resultados. Vencer nem sempre é bom, embora o seja na maioria das vezes.

- E você, Thiago, o que fez?
- Cara, altas coisas. Fui de bar em bar, de casa em casa, e de feira de música em feira de música.
- Bebeu bastante?
- Bastante!
- Bom, isso é bom.

Solidamente lhes apresento a versão mais escrachada de todas. A nudez dos fatos. Eu sou um fato. Um manto de hostilidade; minto, um travesseiro de depravação; minto de novo, um mimo de doçura; mais uma vez, minto: sou mesmo o que você quer que eu seja.

- Quero vê-la sorrir, quero vê-la cantar, quero ver o seu rosto dançar sem parar. Quero vê-la sorrir, quero vê-la dançar, quero ver o seu rosto… cantar sem parar!
- Eu tô doido, pfffff, é assim, queima o cérebro né? Mas eu tô falando isso só porque vocês são pessoas inteligentes, esclarecidas, mas é assim mesmo, meu, se for falar praqueles pregos, eles me batem. Eu falo porque vocês entendem. Eu só falo pra quem entende. Pifou, queimou, blefou, fritou! Sim, eu fritei muito, por isso que sou doido, tá vendo, tá me vendo? Eu queimei todo o meu cérebro, sou e fui doidão internado já em clínica psiquiátrica, hehe, offf, pff, haauhhaeh. Hauuu. Mas eu ando loucamente por aí... Mesmo sem ninguém me entender, mesmo sem ninguém me ouvir, mesmo sem ninguém saber da disgraça que acontece aqui dentro da minha cabeça, com toda essa fraqueza, essa volúpia apagada, jogada fora, desperdiçada. Eu fui inteligente um dia, meu, mas agora eu tô fodido. Êêêee, eu tô fudido!! Ninguém me entende, eu tenho dó do desamparo a que me atribuem, desamparados e desesperados são eles, que não entendem de nada. Eu não penso, eu sou doente, eu não tenho dente, eu sou vidente, cadente, negligente comigo mesmo e agora, só mais um bosta dum decadente. Eu ando por aí. Ninguém me vê. Mas eu falo e quero falar…

E, depois de ter lutado o Clube da Luta consigo mesmo, o nosso homem incorporou a alma de Maria Chiquinha e Genaro, meu bem.

- Ondcê foi, Maria Chiquinha, meu bem?
- Eu tava embaixo do pé de cedro.
- E fazendo o quê embaixo do pé de cedro?
- Ai, não posso contar, mas tinha algo desse tamanhão assim lá, ó.
- E por isso você não vai me contar o que fazia em-bai-xo do pé de cedro?
- É que eu tinha muito medo, muito medo embaixo do pé de cedro.
- E agora você quer voltar para casa, é?
- Quero.
- Mas você não vai voltar para casa, hã.
- Ai, por favor, me deixa voltar, paizinho, me deixa.
- Eu te deixo voltar pra debaixo do pé de cedro, se você quiser.

Antes de tudo isso, o nosso homem ainda tinha sacado um garrafão de vinho de cinco litros de dentro de uma moita que escaldava sob um sol intransigente de quarenta e três graus, talvez o mais quente do ano na Cidade das Serras, e bebera numa só solapada da alma pelo menos trezentos e noventa e sete mililitros do inferno fermentado. Após o nobríssimo e invejabilíssimo ato de fibra, o homem atiraria o garrafão de volta à lareira fumegante do arbusto; consternado, desalmado, vencido pelos deuses do cocô.

Após esse ápice de euforia, o mundo novamente se turvou. As nuvens se fecharam e então o que víamos eram as ruas esvaziadas de um domingo no qual eu me ia, esvaía, desapegaria, fluía aflito sabedor do que me esperava em poucas horas, ou uma noite mal-dormida ao lado do meu amigo Dilly doidão. O Dilly trazia consigo uma garrafa chamada poder, mas nem dela eu bebericaria tamanho era meu desconsolo. Ainda assim, havia as ruas centrais de uma cidade serrana que abriga monstros, duendes, anacrônicos, antológicos, faraós, lacônicos amados porém incompreendidos. Neste ligeiro entremeio, entro na fila da escatologia social com meu punhal de brilhante trazido das jazidas de Tesouro. Penetro os pescocinhos pretensamente açucarados de todos eles (as). E o que sinto? Que sabor me sobe à boca? Que teor me ferve o paladar? Sangue, pseudo-fracasso que se disfarça em dor. As pessoas temem doer e se esquecem que também causam a dor. São elas as causas da própria dor, e a causa da minha. Eu as engulo todas porque o espinho me alimenta. Vivo de colecionar tripas.

Minha amiga disse-me há pouco: “Meus pedaços estão esparramados por todos os lugares, se você encontrar algum por aí, me mande pelo correio, por favor”.

Claro, claro que eu mando, mas sem os espinhos.

Chegado em casa, Bonifácio nem mesmo me recepcionou. Estava tosado, envergonhado, despido. Parecia uma merda macambúzia ambulante. Cheio de feridas de carrapatos. Diz Vovó que é a época. Pulverizamos veneno nas gramas da casa. Alguns carrapatinhos ainda secam grudados em seu couro, é desgastante. Tento tirá-los, mas não saem. Diz Vovó que morrerão sozinhos, em breve, devido ao remédio. Tenho medo é que venham a mim, tenho medo de ter mais parasitas do que já tenho; tenho medo de acabar seco esturricado na sarjeta da alameda da cachaça, sem ao menos ter restos.

Senti-me desguarnecido ao vê-lo, o cão. Um monte sem guarda-chuva sofrendo constantes desabamentos de terra. Foi o que aconteceu comigo, de certa forma. O mais curioso é notar que tudo se deu ao mesmo tempo. Enquanto Bonifácio agonizava durante longuíssimas horas: oito, nove, dez…, não sei, no consultório da veterinária com pedaços seus sendo arrancados e muito de seu sangue sendo expurgado, o mesmo ocorria comigo, após infatigáveis sessões de tudo aquilo que todos nós sabemos muito bem.

Tenho pena de nós todos: estrelas decadentes abençoadas pelos deuses do opróbrio; mares que secam revelando peixes agonizantes; sóis que apagam entregando o segredo da luz. Vovó ainda disse ao ver meu abatimento: “A sua pressa de chegar em casa é isso aqui para mim, a minha pressa de comprar copinhos para pães-de-queijo é MUITO mais importante do que a bosta da sua”, e deu um safanão de descaso e pequenez no vento. Apenas quando já estávamos a três quadras de casa é que Vovó esboçou perguntar como havia sido a jornada. Preferi não responder.
Já me desmatriculei do cursinho e penso em comprar sacos de pó-de-guaraná para tocar a minha vida de pré-vestibulando pelas manhãs claras da fronteira. Vou ter mais tempo, mais paz, e ainda assim acho que é possível. Eles passam a me desacreditar, mas eu não me importo: Estou velho demais para atividades improdutivas e desinteressantes.

domingo, outubro 15, 2006

Alas.

Cheguei numa tarde bizarra. Lampejos de sol gritavam para raios escuros de chuva. Eu sapecava em um ônibus de ar-condicionado estragado. O dia parecia estar vencido, mas era só impressão. Rubí e o Flores foram me (nos) recepcionar. Eu ia com o meu amigo doidão, Dilly, para a cidade das Serras.

A Mulher Gato das Unhas Escarlates havia vindo para o feriado. Oba, pensei, serão dias de casa cheia, leia-se orgia. Sushi lambeu meu pé. Cheirou os pêlos deixados pelo Bonifácio na última sessão anti-carrapatos. Cão maldito, embora castrado e gordo, continua perambulando pelo baixo meretrício, dia desses volta morto. “Ah, gurizaum!” Meu amigo Dilly foi embora para qualquer lugar, achou inconveniente onde estávamos, ou se achou, não sei, realmente não sei. A Mulher Gato das Unhas Escarlates ainda não havia chegado. O Flores foi para casa tratar das suas virtudes. E eu fiquei com a Rubí sem ter o que fazer. Dei-lhe uma surra que havia muito ela precisava ter, joguei-a na cama e a fiz pular. Pulamos durante algum tempo. Mas isso não importa. Logo a Mulher Gato chegou e começou a nos contar gracejos. Divertimo-nos, mas lá fora fazia calor e tínhamos que ir. Fomos ao boteco mais quente da região e bebemos altas doses de álcool. A loucura escalou a serenidade. O vento soprou contra os imbecis que tiveram casacos perdidos e decências ultrajadas. Meu foi quem falou o que era certo e o que era errado. Mas isso também não importa. de trouxa é rola!, como diria meu grande pequeno anãozinho.
“Você é uma delícia, eu poderia fodê-la até o dia amanhecer”, foi o que eu disse à cavalinha parceira da gordita. Ela achou tudo muito estranho e se afastou, preferiu pegar um daqueles tipos que freqüentam manicures e são sujos. Cosa posso fare con queste troie di merda?
Acordei embolado em cobertas catarrentas. Adoro pêlos. Mas eu estava lá, atirado sobre pelotas e colônias incríveis de ácaros. Minha grande tormenta, ácaros! Ainda vou exterminá-los todos. A Rubí tinha ido dormir na casa de algum parceiro sexual mais quente. “Como cheguei? O que houve? Que se passa?” foram algumas das primeiras perguntas do dia. O feriado de fato começara e eu já sofria da terrível revolta. Logo mais Rubí chegou e desabou. Foi tão deprimente vê-la mais miserável do que eu que resolvi ser complacente e adormeci novamente.
No outro dia o tempo passou remoto. Não rendeu. Espaçamos languidamente todos os segundos - e eu que justificara minha retirada indevida a mamãe como um passeio cultural. Um grupo de turistas, amigos da Mulher Gato, apareceu na casa da Sushi e fez besteiras conosco. Saímos para o segundo round da porra-louquisse vestindo paletó Ford Mustang, loucamente; uma noite de menos valia. Conheci a Groselha, mulher decente, muito da boa, querida. Disse eu a ela: “Eu vou lamber as suas pregas!” E ela deu risada. Fomos transferidos a uma outra realidade. Pessoas usavam cabelos e roupas antigas. Tudo era muito há muito tempo, e isso me causava as mais fantasiosas dispepsias. O Geléia quis brigar e, apesar de ele ser mil e trinta e três vezes maior, eu surrá-lo-ia até o fim. Fritamos algum óleo nos passeios e toaletes públicos. O negão da segurança deu risada de camarada, e eu tive a alucinação de que ele havia dito: “Aiaiai, bem de querido, ma me dê…” E já ia dizendo: "Galera, vocês por aqui! Que ótimo vê-los" Quando o Flores negou tudo - tinha sido só mais uma cuspida louca do cerebelo alterado.

Por fim lembrei que a Groselha era quem me tinha levado para casa na noite anterior. Eu estava imprestável, tanto que recusei a oferta de dois bilhões de coroas tchecas para ir a uma boate de vèados. Charles, meu grande amigo Charles, eu também tinha encontrado o Charles. Mas nada disso importa porque eu já devia estar na segunda noite.

A Sushi miou e ronronou por muito tempo. Acabamos na casa da Groselha trepando na cobertura. Nessa mesma fatídica noite, minha amiga Ká ressurgira do passado e me trouxera boas novas de um mundo que já se faz tão desconhecido quanto indolor. Eu não mais sou o fura-couro-de-gente-puladora!

Voltando, o céu era frio e nublado na cobertura da Groselha. Nossas consciências também. Havia muito de l’alcool. Na verdade, nem sei como acordei no outro dia, mas isso não importa. O que importa é que numa brincadeira sem-graça, o Flores começou algo que só terminaria na cama da mãe da anfitriã. Na manhã seguinte, fomos ao verdejante comer comida de gente verde (de fome, brincadeirinha). Tudo parecia muito ruim, e tudo era muito ruim, mas nem tanto (brincadeirinha). Comi e me satisfiz. Andamos pelas ruas e praças centrais da cidade das Serras e comprei livros de sexo em um sebo que cataloga os volumes. Arrependi-me, como disse eu dia desses a Rubí: “Puxa, preciso cortar o supérfluo”. Embora andássemos como zumbis boêmios em uma cidade infestada de gente que corre às ruas num pós-feriado pré-fim-de-semana, a noite prometia. Lambemos duas tigelas de óleo junto com a Groselha e fomos ao Tinki Winki, um boteco charmoso da região.
Caraleo, que fita! Mulheres seguravam paus de homens no toalete e depois saíam correndo. Outras levavam passadas de mão na bunda e reagiam violentamente. Garçons e atendentes serviam doses duplas de Tequila deliberadamente. Quem não gostava de samba, bom sujeito não era. As amarras do Sargento Modorra pipocavam unhas invasivas de defuntos furtados. Eu juro que tive medo, muito medo, mas após a terceira dose dupla da Ouro, eu me sentia em casa e reinante. Se o diabão me aparecesse afirmando a regência, eu o destituiria despoticamente. Nada disso me atingiu. O problema foi que, no auge da loucura, meu coração quis parar, trincadas agudas foram sentidas e eu acabei por me retirar. Voltei para o aconchego da Sushi, que me pôs para dormir de qualquer jeito. Devo ter levado mais de trinta porradas de mãos suaves de fêmeas deliciosas. Apanhei como um cachorro. Mas, nada disso importa, o que importa é que o óleo estilhaçou meu coração e agora ele tem agulhas dentro de si. Mas eu gosto de uma dorzinha de vez em quando; pontadas no coração fazem o sujeito se sentir vivo, diz aí se não é?.
No outro dia Rubí estava jogada ao meu lado como uma indigente. Na sala se amontoavam o Flores e a Mulher Gato das Unhas Escarlates, glamurosos. Fomos ao cinema ver pirilimpimpim, o garoto mais sagaz da paróquia, depois ao caffè beber espresso e ler o Sartre dizer que se fosse um intelectual do Borundi, se preocuparia somente em construir pontes e salvar pessoas doentes inocentes. Aiai, o duro é estar nessa idade e ainda ter de agüentar certas coisas que... Nem vale a pena contar. Desta vez o dia atuou em nosso favor e saímos cedo para ir ao Velvet. A Modesta Amiga do Jotalhão veio me apertar e eu deixei. Fui assim, dado. Admiro a atitude virtuosa de certas pessoas, no duro. Disse eu a ela:

- Vamos passear?
- Não, obrigada.
- Por quê?
- Porque tenho que levar meus amigos vèados embora.
- Então foda-se, eu vou embora.
- Tá cedo.
- Não tá não.

Essa última noite foi boa. Eu brinquei de dançarino a palhaço, de homem-aleluia a viajante. De comedor de ópio a fanfarrão. Eu sou uma peada mesmo, hahae.

“Ei tio, com quantos pauzinhos se faz um barco?”

Foi o suficiente para despertar nele o mais profundo desejo de nos divertir. Encenou peças, fabricou jóias, e se jogou a piração. Entendi nada. Na verdade, já estava demais de perturbado para poder pensar, e resolvi desistir de pensar. Caeiro me invadiu e pintou as paredes de sensitivismo alastrado. Eu vi o Ribatejo passar, e a paz que isso me causou foi tão certa que me fez parar e pensar em não pensar. Fui, apenas isso e qualquer coisa a mais. Um 'de certo' bem do acaso, do avesso. Alheio e vencido a certas tentações. O pecado. O dia que se ofusca em vulgaridade. Eu não mais acredito em mim e em minhas próprias bagaceiras. Que fiquem pelos cantos, jogadas, amassadas, descartadas. Bagaceiras são todas substituíveis. Exceções, revezes. Causam pânico, ou não. Eu preciso é de cortesia, amabilidade, gentileza, e indecência. Tive de um pouco de quase tudo. Tive o que procurava e merecia ter. Um mundo de desilusão para com o pensamento é a conseqüência mais óbvia e natural a qual consigo chegar, por causa de recentes influências e descobertas. Incoeso e ainda não firme, afirmo: vivamos dos sentidos. Abandonemos o coração pulsante-pensante-diletante, isso só traz o mal, a angústia. Sou mais o nada, ou o qualquer coisa.

Eu devia era me tornar o tutor das analogias, para que elas fossem transformadas em anacronismos. Toda analogia é uma cagada para trás. Julgo o medíocre, o imbecil, e o patife; o resto, passo para meus colegas de trabalho. Quem sou eu para dizer e medir 'a qualquer coisa do mundo'.

sábado, outubro 14, 2006

Por que que a vida inteira tem alguma coisa no meu olho?

Relances de sombra. O céu é turvo e meus dedos se alongam. Enfileiro-me para o banheiro. O plástica me acessa. Acesa, invade e me pega. Segura com convicção algo que desconhece. Vai e passa. Hei, aonde vai? Não importa. Quem diz o que diria? Eu digo e afirmo, sereno, ou não, nunca soubemos. O que importa são os outros. Eu mesmo passo..., a fila, o pulador, o chão, o hall de botequins sujos enquadrados.
A voz do desejo é fremir, zumbir, aspirar a ar, visar ao longe, pairar, parar, se jogar. Onde você vai jogar o cabelão esta noite? Por aí. Quem é você, por aí? Eu sou o vento com gotinhas de doença. Escarro catarro escuro de cerveja amarga. Venha cá, meu doce, segure algo que você não entende. Faça o favor de se cuidar. Lembre-se da agonia e evite-a, por favor. Os dias que têm que passar não passam, e os que não têm, passam.
Eu vou dizer a você aquelas coisas que só nós sabemos. Junte a mulher gato, o nosso amigo Flores, eu mesmo, e vamos dar um rolê pelo mundo. Eu lhe darei cacacas, bolotas, cigarettas e paz. O vencimento se estenderá. Os prazos, os pratos de pó dourado, os dedos e as texturas também. Eu quero arrancar todo o maligno, e ficar com tudo só para mim. Vou vender verdades, pedaços de luxúria, e necessidades criadas. Num mundo em que vícios e virtudes se misturam, não há espaço para falsas efervescências.
Levantar acampamento! Avante, convivas de algodão, sigamos porque a loucura nossa de cada dia continua...

segunda-feira, outubro 09, 2006

Só mais uma love (shit) song.

As pálpebras estão agachadas. Percorro o mundo com os dedos mais uma vez. Quero sapiência, congruência, inocência e inconseqüência. O que levar embora não mais importa, o que pôr na mala, o que carregar sem avisar, o que ser e não sentir. Valem mais as fotografias que desaparecem. Eu desapareço em fotografias. Os fragmentos vão se tornando nulos, fracos, indefinidos até que se somem. Eu sou o fragmento da perturbação. Eu quero é ouvir.
Pegou de ponta cabeça o gato que se espatifava do décimo nono andar.
- Se não for cuidá direito eu não dô, porra!
- Ai, mais eu cuido direitin sim.
- Vai dexá amarrado o bicho? Vai?
- Eu ia, mas se ocê num gosta, eu dexo ele solto.
- Não! Não quero mais também, vou levar ele embora, vou dar ele pra outra pessoa. Vai se foder!
- Ai, credo, Liliana, como seu namorado é brabo. Brutalidade num leva a nada, meu .
- Vambora, ô porra, essa filha da puta me deixando puto.
- Calma, more, pega leve ca Camilinha, ela é amiga minha das antiga, poxa, e você esculhamba ela assim.
- Eu não dou cachorro meu, da Nana, pra gente que num vai cuidá direito, caralho! Bosta! Mas que bosta essa mulher, escrota, filha da puta. Vamo logo.

O vento que bate na cara divide o cabelo em meio, sem meio, e fim. Cabelo partido ao meio. Ele é um Serafim, missionário do caos, exaltado. Come cru e gosta de bife puro. Fígado puro. Bisteca gorda, mal-passada acebolada. E não dá os cachorrinhos para mãos negligentes. Porcão assado ao forno. Pernilzão nervoso. Carne trash de panela. Ele só gosta é de bizarrice.
A caranga vinho se cansa dos trajetos infundados. Das esquecidas. As garrafas de vinho amanhecem espatifadas no banco traseiro e a Nadir vem me acordar cedo num sábado de dor de cabeça. Eu tenho que trabalhar, ela me diz. É um pesadelo. Meus pêsames a mim mesmo, desejo. Parto com a trouxa. Nem mesmo sei o que se sucedera na noite passada. Uns dizem que é lorota. Outros aproveitam a deixa e me comem. Alguns se dizem enfermeiros. A verdade é que todo mundo estava louco e ninguém sabe de nada do que foi dito, feito, visto, ou ocorrido. O mundo deu só mais uma volta natural, e nós ficamos enjoados, vendo tudo torto, com isso.
- Ondcê vai?
- Nu brejo!
- Fazê?
- Cagá!
- Aiai.
- Eiei.
Passo o avental pelo pescoço e novamente tenho de me preocupar com o almoço, as roupas na máquina, quem as passará? Visto que não mais vivo sem tê-las engomadas. As engomáveis, claro. Quero tudo de uma só vez. A exaustão, a combustão, a sucessão repentina dos fatos, intermináveis e explosivos, simultâneos e momentâneos. Eu juro que sou o único ser capaz de entender a aproveitar esse momento. Mas não acreditam em mim.
Rabiscar no diário não é preciso. Não muda. Escrevo ao meu amigo Dário, o otário. O bom é que, mesmo não concordando com nada do que eu digo, ele me respeita com nem os que entendem fazem. Pholve! Pholve!
Frô!