segunda-feira, julho 31, 2006

Viver sob as ondas de seus passos.

Bailar não dói, meu doce, eu disse a ela enquanto o vento balançava seus cabelos à beira-mar. O vento era frio, mas mesmo assim eu achava belo ver o mar. Sempre gostei de ver o mar com ela. E quando estava sozinho, eu o via para me lembrar dela. Juro de pés juntos que via até o brilho do seu cabelo que variava com o dia, com a luminosidade do sol e com a quantidade de horas acumuladas desde a última vez que fora lavado, enquanto assistia as ondas.

O ar gelado paira na atmosfera. Os dizeres que deveriam apresentar soluções me confundem. Os pensamentos são devassos irrequietos que me assaltam e me roubam a serenidade há tanto almejada. Morro de desejos e germino ramificações sem galhos. Um cotovelo sem lisura, um fio de novelo desemaranhado com brutalidade. Eu não compreendo nem metade dos porquês. Quero satisfazer apenas a carne e por que tantas coisas mais? Luto para apreender a compreensão de comprimir objetos voláteis incompreensíveis. Eles voam tão alto.

Pedi à moça dos lábios doces e verdes para que me explicasse a metade daquela parafernália. Mas somente a metade, pois não quero me corromper. E ela, toda bondosa em um jeito jeitoso de ser ajeitada, disse-me que sim.
Passo mais tarde na casa dela e ela me oferece sua presença para eu beber. Eu bebo tudo e peço mais. Umedeço um pouco de dedos delgados na saborosa bebida e como também. Concedo um pouco ao santo. Deito em sua cama e choro porque tenho sono e cansaço e não quero saber de nada. Ela tenta me aprender, me ensinar, me fazer entender, mas eu não quero e não consigo e não posso. Eu só posso tê-la e nada mais. Fazemos brigadeiro quente e lembramos que existem bacalhaus na Noruega. Ela me adoça, o brigadeiro também, o frio, suas pernas, o carpete, os cães pequenos, seus dedos, sua calça de moleton. Saio silencioso e ela me pede para encostar a porta. Devo voltar em outro dia. Faz frio e nos buscamos para nos aquecer. Ainda tenho de ir e sofro com minhas mãos geladas. Não houve vento no rosto neste dia.

quinta-feira, julho 27, 2006

O corretor de imóveis e a periferia distante.

Fomos buscar um corretor de imóveis para ver a casa que meu tio quer comprar. No caminho, ele já me avisava: “cuidado que o cara é meio kibe”. Dei risada e seguimos.

Em alguns minutos haveria um sujeito absolutamente cheirado no banco de passageiro do meu carro cuspindo mais insanidades por minuto do que eu faço em um mês.

- Tá no perfil, bora lá, bora lá moço, é por aqui.
- Onde fica a casa?
- É longe moço, mas vai indo, segue reto e tora o pau.
- Cacete, tem terra?
- Tem. Mas vai moço. Hum, você tá no perfil, quem é esse menino, ele tá no perfil?
- Ele é meu sobrinho.
- Hum, eu tenho uma filha de dezesseis anos, e gostosa. Mas você sabe comé qui é né, vai ter que me pagar, e custa caro. Donde cê veio?
- Eu vim do mundo.
- Hum, num fica falando isso pras pessoas não que isso vai vira merda, eu conheço todo mundo aqui, já levei quatorze tiros e estou vivo, olha só, tenho marcas aqui e aqui e ali.
- Que fita.
- Cara, logo meu sobrinho vai se cansar de você.
- Que nada, ele é do perfil, mas vem cá, o jóia, donde você vem?
- Daqui mesmo, cara!
- Como, se eu nunca te vi por aqui?
- Ele passou uns dias em London.
- Ah, hum, speak english? He’s handisomi, handisomi.
- Who’s handsome?
- Moi.
- Hum, tá no perfil, bicho, vô ti arranjá um emprego na cultura inglesa, eu conheço a dona, ela é minha parceirona de putaria, gente boa, milhonária, tem vários carros importados, coroa e solteira, se você quiser ainda arranha um biteco. Mas cê sabe comé qui é né, cê vai ter que me pagar e é caro. Cê tem dólar aí? Lá fora é assim, tudo é pago, todo mundo si fodi, intão cê já sabe comé qui é.
- Não.
- Euro?
- Também não.
- Pô, meu, mas tudo bem, cê me paga depois, di outro jeito.
- Não vou te comer, cara.
- Não, não é isso que quis dizer, ai como são bobo essis moço dojindia.
- Diboa.
- Mas olha só, minha filha tem dezesseis anos i é filé, queimou todo o patrimônio do namorado dela com gasolina de carro e pó e ainda fica menosprezando a mesada que eu dô pra ela. Ô bicho, ela é modelo, entra no site dela aí depois, vô anotá qui procê. Gostosa. Mas olha só hem bicho, cê vai tê que me paga.
- Diboa.
- Cê tem carro?
- Ué, olha aí, não tá vendo?
- Ai, mas isso, essa caranga aqui é velha dimais pra carrega meu tisoro, mas tudo bem, eu te empresto o meu carro, mas olha só em bicho, não quero você pegando ela por aí não hem, vai lá pra casa, eu moro num apartamento grande e vocês podem fica tranquilo lá.
- Ah é, mas e o emprego.
- Arranjo procê também, porque cê sabe né, eu só ajudo assim minininho no perfil, bunitinho, e cara, cê é no perfil, cê fala o ingleis britânico, é no perfil, e si brincá ainda come a muié.
- Aiai, tá bom cara.
- Olha só bicho, eu vou fazê um frango xadrez domingo lá em casa procê conhecê a minha filha. Cê gosta de frango xadrez, o bicho? Gosta?
- Gosto, ôpa.
- Intão tá combinado, eu vô ti busca lá na sua casa.
- Mas você nem sabe onde eu moro.
- Mas me fala aí já, oras.
- Não, depois você liga.
- Beleza. Mas vou hem.
- Cara, eu sei comé qui é, eu também já morei lá fora. Ráhhhh, aqui são quatro anos di manhattan meu jovem, também já fui no perfil. Vivi lá só comendo cú de velha rica, e eu fodia e elas me pagavam e dólar caía. Vivi lá bicho, quatro anos. E era só no viagra também né, o coração pulando qui nem doido e eu metendo, arrebentando aquelas véia lá tudo. É bicho, o sistema é bruto lá fora, cê sabe comé qui é, si num fosse isso, eu num tinha nada hoje. Êta veiarada do dólar, mas era bom hem.
- Aham, você tomava viagra ou cheirava pó?
- Hshshshshs, ô moço, fala issu não, shhshsh. Óia só moço, fala nada disso que eu ti disse tá, nada. Quer uma cobertura? Tá vendo aquela ali, eu tô vendendo, o cara faliu com lavoura e tá vendendo desesperado, só duzentos pila, tem piscina e tudo mais. E aquela ali? Ô bicho, tô cheio de cobertura pra vendê, me fala só o tipo de prédio que te passo. E naquela ali é só filé qui mora hem, cheio de gatinha na piscina, tudo filhinha de papai que não faiz nada o dia intêro, só fodi.
- Cara, eu não tenho grana.
- Ah, mas um dia vai tê, bunito dessi jeito. Olha só bicho, eu vô te empresta meu carro e você vai andá com a minha filha usando óculos italianos e aí tudo essas filhinhas di papai vão te querer, mas você vai ter que fica só com a minha filha, tá entendendo ô bicho, e nada de putaria na rua hem, beleza?
- Beleza cara, agora vai aí, chegamos de volta ao Adelina Rigotti, vai aí cara, falou, abraço.

E nessa viagem alucinada fomos a periferia zero da cidade ver uma casinha basicamente construída que o tal corretor estava vendendo. O cara não parou de falar e falar em um único segundo. Eu e meu tio concordamos em unanimidade sobre a condição ‘pozística’ do cara. Foi surreal, absolutamente surreal.

Quando digo que sou um centro convergente de acasos desfacetados de vaidade, não é por acaso.

Venho aqui também para anunciar a criação de um novo espaço em parceria com a doentia do meu irmão: Desajustado, e a consolidação de dois espaços de um grande amigo, o Jorge ferreira, pareceirão de blogue:

Um é o Rasgamortalha.

O Jorge é um grande amigo que está pirando na Nova Zelândia e sempre nos traz fotos e poemas belíssimos. Além de tudo, teve a cortesia de publicar algumas de minhas verdades em seu blogue. Obrigado pela atenção Jorge, e se cuida por estas veredas loucas aí.

quarta-feira, julho 26, 2006

Os dias todos iguais.

Vou à escola de bicicleta ouvindo uma bela canção. Uma somente porque quando a canção acaba, eu já estou no pátio do colégio cadeando minha bicicleta. As manhãs são gostosas e macias. Há nem o frio nem o calor. Há o frescor. Passeio pelas ruas cheias de árvores e tenho delírios idílicos. São ruas largas e belas e floridas, embora de certa forma secas por causa da estação. Pedalo e não me canso. As ruas são planas e lisas, tenho medo apenas dos carros nas poucas ruas de trânsito que atravesso. Mas venço-as todas ouvindo I Want You But I Don’t Need You.

Na sala de aula há ninfetas deliciosas, com quem flerto olhares que me tiram a concentração. Droga, preciso me dedicar e aprender o que o professor fala. Os pés, as unhas bem-feitas, os peitos durinhos sob a camiseta branca do uniforme de uma escola de freiras já conheço muito bem. Divido a apostila com a minha colega ao lado, ela é fantástica e eu quero comê-la, embora não tenha jeito para com ela do mesmo modo que ela não tem jeito para comigo. Somos dois tímidos chafurdados na condição de dividir a apostila, e isso é tudo o que temos.

Minha avó viajou e tenho que trocar a água dos cachorros duas vezes por dia e dar-lhes comida. Além de molhar as plantas e observar as pequenas trancas e obsessões chatas que ela inventou. Meus tios vêm me visitar e me ligam para saber se está tudo bem. Sim, está. O Bonifácio vira a sua barriga para cima e fica pedindo carinho. Passo meu pé direito nele e depois acabo rolando e abraçando aquele cão abjeto. Ele é sujo, mas eu não me importo. A Nanica corre desesperada enciumada e mordisca meu tornozelo. Há ninguém na casa senão Nós, eu e os cachorros. Eles latem para estranhos e me protegem porque me amam tanto quanto Eu os amo.

À tarde saio pela rua para entregar um presente de minha avó, procurar emprego, visitar coisas. As mesmas ruas vazias das noites de sábado e domingo se enchem de motoristas estressados e enfurecidos. Brigam comigo e me buzinam devido à minha barbeirice. Não ligo, estou tranqüilamente em comunhão com o mundo. Ainda são ruas vazias, embora cheias de carros e barulho.

Não consigo parar de pensar nas unhas bem-feitas dos pés descobertos de Ana Paula, que é minha vizinha de cadeira na sala do cursinho, e também minha vizinha de casa. Mora coincidentemente ali ao lado. Sua mãe é amiga da minha avó. E quero comê-la. Ela toca na banda da igreja e estuda em uma escola de freiras, como eu e muitos outros infiéis, mas ela não parece ser uma infiel. E eu quero comê-la, em frente aos santos que sua mãe tem para rezar terços do rosário junto com minha avó e as demais velhas rezadeiras. Eu as amo todas. Foram todas bocetas fantásticas um dia, tanto quanto Ana Paula é. E então eu beijaria os santos após tê-la fodido em sinal de gratidão.

Vou à escola em ruas espaçadas pedalando o vento e vendo meninas bonitas. Sinto a plenitude, a grandiosidade. Não tenho saudade de me espremer nos vagões do metrô. Não tenho saudade de ter que correr para pegar o trem das oito e vinte e três. Posso sair às seis e cinqüenta que chego a tempo para a aula das sete. E isso é lindo. Mas sei que não vai durar para sempre e que logo, mais uma vez, vou me cansar de tudo e vou querer mudar, como um eterno insatisfeito enriquecido de tédio.

O Bonifácio late, deve ser alguém chegando. Estou sozinho e nem conheço pessoas para convidar para uma orgia. E também tenho que ir a aula amanhã e a mais um daqueles testes chatos para emprego em escolas de línguas. A vida se abranda, ou se anula, como irei dizer em pouco tempo.

sábado, julho 22, 2006

O vazio do abandono.

Há uma atribuição de valor demasiado a certas coisas, o que acaba subjugando sujeitos de isopor. Tudo o que torna alguém dependente não é merecedor de ser superestimado. O sujeito precisa viver sozinho, ser auto-suficiente, depender de ninguém senão das próprias vontades e desejos.

Claro que há uma necessidade óbvia de socialização. Mas isso deve ser feito dentro de limites que não permitam a violação de sua individualidade, e com cinismo, se em ambientes estranhos e possivelmente inóspitos.

O mundo exige pessoas cínicas. Portanto, seja cínico e faça o próximo feliz.

O vazio deixado por partidas é imenso e dolorido. Nós deixamos um enorme vácuo em minha bisavó quando partimos. Antes disso, meus amigos me largaram em uma vala etílica. E agora, os meus meninos me deixam em parecida situação. Só e esfaqueado na rodoviária de rondonópolis. Eles foram ao norte, e eu ao sul.

Tivemos dias plenos imersos na celebração e sublimação da entidade chamada Nós mesmos. Somos deuses decaídos do panteão, e nunca estive tão certo disso. Somos celerados virulentos cuspidores de fantasias de vidro retocadas de areia. Elevamos o mundo de seus patamares básicos e o fazemos sublime. Sugamo-nos repondo o vácuo deixado constantemente. Estou por isso então desolado; menor que o mundo, abocanhado pela miséria e agasalhado de prostração. Sou um universo engolido pelo vazio que entrevejo com dificuldade através de uma luneta desfocada. Eles partem me deixando esparramado pelo chão. É a volta absoluta do Eu sozinho.

“A páscoa chegou como uma lebre gelada”, disse-me Henry Miller enquanto eu me embriagava esperando o ônibus. Tive ânsia de vômito, vontade de xingá-lo. Que bosta, que grande e fedorenta bosta, Sr. Miller.

Enchemos a cara na rodoviária. A moça da conveniência perguntou aos meus irmãos: “Aonde vão?”, “A Rondônia”. “Putz, então têm de beber mesmo!”. Depois que eles se foram e deixaram de ser meus garçons e credores, tive de ir buscar sozinho as inúmeras latas. Após a terceira, a moça repetiu sua ousadia: “Êita, vai viajar bêm hein!”; “Pois é”, respondi encabulado.

Depois quis saber seu nome e ela em reposta me quis saber tudo. Passamos o tempo com tagarelices e eu gastei todo o dinheiro que tinha bebendo com ela atrás do balcão da lojinha de conveniência. Quando o ônibus chegou, eu já estava bem. Há muitas delícias em trânsito pela rodoviária de rondonópolis. Na manhã seguinte eu chegaria a cidade-azul-pé-no-saco de ressaca e sem um puto furado.

Sonhei com a Andrea no ônibus ouvindo Mamus. Sonhei que a encontrava a meia-idade e dizia: “It’s incredible how hard and strong we grow along the years. There have been so many delusions in one’s life that everything is bound to be doubted. I’m sorry, but I can’t believe anything any longer but sex, perversion, plain delusion to real or pseudo-love and self-destruction. Each day we grow fatter, bigger, harder like a shell, dryer. We end up becoming shit, and that’s the only prominent truth, my apologies for the rudeness and cruelty on exposing facts and opinion, but that’s all I’ve got to say afterwards.

One of the things is: I still remember that very evening when I left Gare du Nord after three memorable days alone, enclosed within you. We were as plain as never. One of the most beautiful things I’ve ever seen. And then you wept tears on my silly and pretentiously indifferent shoulder. Do you remember that? Well, I expect so, for many things have become vague to me except that. You wept, I cracked, the damned eurostar departed and I was left alone in a train full of nothingness to fucking Waterloo. I remember I rang my mother after the canal and reported every single detail, while I shattered myself against myself. Plainness is to be thrown away, torn apart, executed. Nothing is as plain as we were in that very afternoon when we shagged madly five hours or so till my mobile clanged violently through the enduring silence. It warned me that I should finally leave. And then again so I did broken-hearted, and I seated on a bench cross-legged opposite to you, for a short while, and said, before the final curtain, Have we still got much silence to talk? You didn’t answer, and I opened my volume full of crap by Fante. Now that you know my version of it, that’s your turn”. E então eu fui despertado por uma parada de dez minutos e não ouvi o que ela tinha a me dizer.

Eu queria comer a menina de unhas escarlates que subiu ao ônibus comigo. Eu queria muito, mas uma velha gorda e feia se sentava ao lado. Tive de ir ao fundo. É incrível como às vezes as coisas funcionam, e mais incrível ainda como na maioria esmagadora das vezes elas não funcionam.

Finalmente eu vou ficar sozinho. Mergulhado em minha própria bosta. Um inferno chamado cidade-azul-pé-no-saco que terá de ser reinventado por medidas de sobrevivência da espécie. Eu preciso me propagar, me perpetuar, extender minha sombra diáfana pelos campos elísios inexistentes. Eu preciso de alguém com um encaixe perfeito.
Exegese, exegese, exegese, exagero, exegese, exegero. Frio como uma lebre na cama, putz, Gare du Nord, exegese, lavação de mim mesmo. Álcool e amor.

quinta-feira, julho 20, 2006

Férias no Tizoro.

Era só erguer a mão esquerda pela rua que as janelas do largo meretrício se abririam como flores. Queríamos foder, eu e meus irmãos. Todos os cabarés estavam fechados e acenávamos visivelmente em vão. Logo um barbudo parecido com o diabo que fumava um cigarro estranho e fedia à pinga nos chamou. Atravessamos a rua e ele nos abriu uma porta. Entramos, Matilde foi logo dizendo que a cama era de cimento e não tinha perigo de quebrar. Serviu-nos uma dose de PARATUDO e apresentou-nos a Lucinéia e a Geralda. Custava deilão a foda e cinco o boquete. Oferecemos vinte por uma suruba entre nós três mais duas mulheres, Matilde e Lucinéia. A Geralda era trash demais, fora de contexto.

Levamos um litro da pinga para o quarto e nos despimos. A boceta de Matilde fedia à fossa e Lucinéia não tinha dentes. Meu irmão apertava as banhas saltadas do canto da barriga de Matilde e eu apertava as tetas. Logo meu irmão mais novo penetrou Lucinéia e ela quis me beijar enquanto trepava com ele. Lambi sua cara e a língua e meus irmãos me olharam com nojo. Aí eu disse:

- Cara, se estamos com o pé na merda, é melhor afundarmos.

E virei outro gole da pinga. Enchi os copos de todos e continuamos felizes de conformismo e pinga.

Acordamos no outro dia todos vomitados. Matilde babava em meu umbigo e o dedão do pé do meu irmão do meio estava em minha orelha. Lucinéia roncava como um dragão e o irmão mais novo encostava a cabeça em sua teta esquerda. Enquanto ainda nos recompúnhamos, minha bisavó surgiu na porta com uma vassoura e começou a gritar:

- Que narquia fea é essa, simbora cambada que vão tudo apanhá di vara verde quando chegá em casa. Que poca vergonha é essa, durmindo fora de casa pra ficá em cabaré com puta. Ô disgrama bunita. Bóra, anda, caminha ligêro minino.

E assim ela nos enxotava com o cabo da vassoura sob uma cusparada de palavrões cabeludos.

Dormimos até o almoço e à tarde resolvemos ir à cachoeira refrescar nossas idéias. Alguns amigos meus de fora do contexto Tizorense foram conosco levando umas flores de Ónion para ser estraladas no caminho. A cachoeira estava cheia de palhaços e preferimos descer o rio para ficarmos em paz. Degustamo-nos em sessões de regozijo mútuo, todos nós incluindo meus irmãos. Na volta, a estrada estava coberta de arbustos e arvoredos cruzados, postos de modo que atrapalhavam o caminho. Era uma trilha no meio do mato e tivemos medo. Muito. Parecia uma obra alienógena para nos desviar do caminho correto e tivemos medo de nos perder. A insensatez dominava a mente das pessoas e o pavor era crescente. Eu, como o único cabra-home da excursão, tomei a dianteira e garanti a segurança do grupo até a saída da mata. Por fim, chegamos em paz e saciamos nossa larica na casa do meu avô. Havia um pão em uma forma que mais parecia um bolo de fubá, e eu comi como louco, crente de que era bolo de fubá. Mas era um pão enformado como bolo de fubá, apenas. E só me contaram depois.

Uma mesa de sinuca em um bar com um pôster da Vera Físcher de quatro com o escoador de dejetos posicionado para cima. Um rêgo arreganhado. É onde partilho de momentos mágicos com meus dois irmãos. Sábios assoviam insanidades em meus ouvidos cansados de blasfêmias desnecessárias. Somos poços de pudores escatológicos. Somos lixos antológicos. Eles e Eu em comunhão plena sobre uma mesa de sinuca de um boteco-cabaré com camas de cimento nos fundos em Tizoro, embalados por muitas garrafas de cerveja pagas por minha bisavó e por vèados que nos amam. É onde nos vemos, nos amamos, nos reencontramos, nos perfazemos. Somos completos em nós mesmos, auto-suficientes que subsistem de papoulas brancas e lírios melecados de insalubridade. Somos homens, ou fingimos ser. Temos que convencer nossa mãe disso. Persuadimos o acaso de que vencemos todos os dias as batalhas com os céus e trepamos com demônios divinificando-os, resgatando-os do inferno. Dissuadimos a desgraça e a amenizamos de modo que fique tenra como a tragédia. Lambemos algodão e nos completamos cuspindo beleza à porta de boteco. Eu e meus irmãos. Somos poetas da bosta. Somos a reafirmação da beleza, o retorno incrédulo e tardio do glamour.Somos os deuses que tutelam as intempestividades de mundos obtusos e falidos dentro de aquários de simplicidade, onde tudo não passa de mera superação e transfiguração de valores.

À noite, saímos e bebemos com os vèados locais. Eles nos pagaram muitas cervejas e a turma perdeu a compostura. Preferi ir embora mais cedo porque já me desfazia em farelos. Rubí me acompanhou deixando Esmeralda e o Flores com a guarda de meus irmãos mais novos. Depois eu seria informado de que eles acabaram indo a um velório às cinco da manhã completamente embriagados. Deram um show de escrotisse e a cidade inteira comentou. Os fatos chegaram aos ouvidos de minha bisavó, que não mais se importou demonstrando sua determinada indiferença para conosco e para com a porquisse da mente das pessoas. Ela costuma dizer que o certo é a diversão, seja como for.

No dia seguinte fiquei de resguardo até às onze da noite. Não resisti e fui ver o que se passava na rua. Meus amigos já tinham ido, pela manhã, e chamei meus irmãos. Kárem, uma safada que tinha pegado há dois anos em férias de verão, sorria para mim. Logo veio falar comigo e me perguntou por que não lhe havia dado atenção na noite anterior. Disse-lhe que era porque estava com a Rubí e que, naquela noite, queria foder mais ninguém senão ela. Disse-me que sentia saudades. Chamei-lhe para ir ao meu quarto. Disse que não, que era muito atrevimento meu. Levei-a então ao muro do cemitério. Em apenas vinte minutos ela já me mostrava as tetas. Fazia frio e eu reclamava de estar em meu país, meu estado, uma bosta dita tropical, e com frio. Além de tudo, tinha um quarto com banheiro sozinho para fazer o que quisesse, e tinha que ver as tetas da Karem no muro do cemitério. Detesto essas garotas pseudomoralistas. Elas querem foder a todo e qualquer custa embora insistam em paspalhices.

Não obstante os fatos, meu pau intumescia e o arranquei para fora ali mesmo fazendo caretas sugestivas para que Karem cuidasse dele. O que fez sem hesitar. Não me importava com os mortos que certamente nos assistiam, nem com os vizinhos, nem com nada. O que importava era somente o movimento que Karem sabia fazer incrivelmente bem. Logo a virei de costas arremessando-a contra a parede branca pintada de calcário, o que fez as suas mãos ficarem brancas e empoeiradas, e rebolamos ao som silencioso dos mortos e ao sussurro do vento dito lúgubre.

Após todo o ato, voltamos ao bar e bebemos algumas várias cervejas. O boteco-cabaré na praça da cidade se encheu de vèados e eu quis ir embora porque eles me assediavam. Karem ria para mim e fazia cara feia aos vèados. Senti-me um pateta e fui embora. Só para constar em meu depoimento, devo contar que na noite seguinte eu conseguiria arrastar Karem ao meu quarto, tiraria a sua roupa, lamberia os seus mamilos e ela recusaria a cópula. O sujeito ficaria tão irritado que a mandaria embora sem chance de volta e se masturbaria loucamente lembrando das noites gloriosas com Rubí.

Que mulher, que rebolado, que manejo, que trejeito emaranhado de lascívia saltitante, que mente pululante de idéias para movimentações ultrajantes, que quentura que descia por seu ralo de fábulas encantadas. Rubí era a salvação, o delírio amarrado ao tesão genuíno. Uma flor autêntica do cerrado. Um lampejo de lucidez que escapou em brasas do inferno. Uma papoula branca que escorre polens de delícias inauditas e febris. Sou um espeto e ela uma bainha. Por alguns dias eu quis ser ela. Quis me derreter e fundir minha carniça à dela. Soprar os mais profundos e diáfanos vácuos carregados de indecências e além-verdades. Os orgasmos que tive com ela se perfazem imensos, multifacetados indecorosos embebidos em transcendência. A libido gerada em suas vísceras brotava de todos os poros e escorria por todo o corpo criando uma envoltura de calor plástico, uma nuvem, uma redoma que me fazia pensar em copular incessantemente como um cão. Um cheiro, sabor. Sim, Rubí era uma cadela no cio e eu era o Bonifácio, o cachorro-herói que nunca deixou de foder uma cadela por causa de cercas ou imposições dos donos. Bonifácio vazava cercas, escalava muros com cacos de vidro, pregos, telas eletrificadas, portões automáticos assassinos, escavava túneis e sempre atingia o seu ideal que era foder cadelas no cio, fossem puddles, chiuauas, cadelas carnicentas, sebosas e sarnentas, de meretrizes reais como as cockers de sua própria raça a cavalonas são bernardas, pastoras alemãs, filas e bulldogas. Bonifácio era foda, até ser castrado e virar um gordo que mais parece uma ovelha. Até hoje não resiste quando a Nanica entra no cio, uma bacê, e fica tentando fodê-la até minha avó separá-los dizendo: “que obscenidade absurda!”.

Por causa da Rubí, eu finalmente consegui compreender a real natureza dos bichos. Como bichos, nos arranhávamos, nos retesávamos, nos comíamos e nos regurgitávamos; nos respirávamos, nos assoprávamos, nos penetrávamos. Ela me comia e eu comia ela, a coisa toda se subvertia dentro de nós. Eu virava o seu couro do avesso e ela chupava as minhas tripas.

Por fim gozei de minha masturbação com ódio mortal da Karem e dormi soltando baforadas de fofura.

No dia seguinte ela veio me acordar. Tocou a campainha, entrou até a sala, conversou com minha bisavó e a convenceu de me acordar. A velhinha veio e disse:

- Acorda meu fí que tem uma kenga véa disavergonhada aqui querendo ti vê. Trem véio, num tem nem vergonha di aparecê na casa dos homi di manhã pracordá eles. Cambada, vale nada, num fica andando kesses trem aí não meu fí que isso num vale nada que eu sei. Essa Karem aí é a fia daquele homi que foi candidato e perdeu. Bem-feito, ninguém mandô sê bexsta.

Saí ainda variado e com remelo nos olhos quando ela me deu aquele sorriso. Pedi a ela peloamordedeus para que saísse. Insistiu em ficar. Minha bisavó notou a situação e a enxotou com xingamentos escabrosos. Minha bisavó é foda, meu orgulho por ela só cresce dia após dia. Não vou ficar sustentando uma vaca imoral que se julga decente e se nega de trepar comigo em meu próprio quarto com as tetas penduradas para fora.

Depois disso nunca mais a vi. Continuei saindo com meus irmãos, mais Tanaka e Nelinho todas as noites para beber cerveja e jogar sinuca. Nelinho é um sujeito que fode a minha tia adotiva, inclusive foi ele quem me acordou uma noite dessas fazendo-a gemer como uma égua no quarto-ao-lado-sem-cama-por-causa-da-elasticidade da Rubí. Meu irmão do meio, em uma noite dessas, conheceu Ludmila. Ela me disse que queria beijá-lo. No meio tempo, meu irmão mais novo chegou e ela veio me dizer que queria conhecê-lo também. Então lhe disse que era uma safada, mas que iria apresentar o Neném. Acabaram ficando. Então eu disse ao Guilherme, o irmão do meio, para ir à Ludmila e levá-la ao meu quarto, que estava vago. Para que fossem eles dois. O Neném era virgem e seria muito bom se ele se iniciasse tendo o irmão como companhia. Depois ele me voltou desolado dizendo que Ludmila se emputecera. Neném também acabou ficando bravo porque Ludmila sendo tratada como vagabunda havia abandonado os dois e tinha ido para casa dormir. Com isso pensei: que safada, quis beijar os dois e na hora do ato fugiu com falsos constrangimentos. Puta sem-vergonha, imodesta. Mais tarde minha tia adotiva viria me contar que Ludmila era uma vagabunda de pedigree, pois tinha um amante casado e rico que a mantinha em um apartamento de cobertura na capital do estado. Ela era velhinha para os guris, tinha por volta dos vinte e cinco anos, enquanto o Neném tinha treze. Estava no Tizoro para visitar os pais.

Desistimos da sinuca e formamos uma mesa com Tanaka, Nelinho, minha Tia Adotiva e meus dois irmãos. Uma menina chamada Larissa se aproximou e eu a ofereci um copo cheio e uma cadeira para se sentar. Toda cheia de falsos escrúpulos, Larissa recusou a cerveja dizendo que não bebia, então minha tia disse:

- Bebê cê num bebe, mas pegá em rôla cê pega né.

Sempre admirei o senso de humor fantástico de meus familiares. Rimos muito da piada e Larissa corou. Coloquei minha mão em sua perna e disse-lhe para não se envergonhar, pois todos ali eram cocô do mesmo ânus. Depois dei um beijo em sua nuca e ela arrepiou. Larissa era apenas uma ninfetinha de quase quinze anos. Deliciosa. Fantástica. Fabulosa. Esplêndida. Com cabelos loirinhos cacheados e pele morena de sol do cerrado mato-grossense. Visualizei-a peladinha em meu quarto como que em um filme do Rocco, mas preferi ir devagar. Pedi licença aos convivas e convidei-a para uma volta. Saímos. Ela me olhava e sorria timidamente. Fomos ao banco da segunda pracinha da cidade, onde ninguém freqüentava. Estava escuro e logo eu forçava o zíper de sua calça. Ela não deixava e me beijava o rosto com ternura, toda cândida, fiquei tão comovido com sua pureza que desisti. Desistência que durou por pouco tempo, pois logo ela mesma punha a minha mão em seu seio de bicos empedrados. Pedi-lhe licença e disse para confiar em mim. Com o dedo indicador a fiz gozar. Ficou feliz e a levei para casa, não tinha mais ânimo para comer uma virgem àquela hora da noite e estando ligeiramente embriagado. Pelo menos estou certo de que conquistei a eterna gratidão e simpatia da moça, em outra ocasião certamente o farei.

Quando voltei para casa e abri a porta da rua, escutei barulhos afogados e muxoxos descontínuos. Vinham da porta ao lado do meu quarto, onde não havia mais cama porque Rubí a tinha quebrado em uma de suas noites de demência incandescente. Apenas um colchão jazia no espaço deixado. Abri a porta com um chute e as pessoas se assustaram. Corri ao fio que cortava o espaço sobre o colchão portando o interruptor da luz e alguém tentou escapar. Bloqueei com meu corpo a passagem da porta de modo que a pessoa ficasse encurralada e gerenciei acender a luz. Neném, Guilherme e Neirinha acossada faziam uma suruba louca. Todos estavam nus e os meninos tinham camisinhas frouxas dependuras em seus paus. Disse, aham, tchazam, e tirei a minha roupa. Neirinha esboçou um sorriso desfacetado e desligou o interruptor. Na manhã seguinte pegaríamos o ônibus de volta ao mundo real e seria o fim de nossas férias de inverno.

quarta-feira, julho 19, 2006

Sem mais para o momento.

Há uma frase pendente. Uma gata parida. Um livro não-terminado. Um rio gelado. Um sol quente. Um pau latejante. Um mundo rastejante. Uma verdade deprimente. Um saco para agüentar. Um tempo para gastar. Um mundo para entender. Um inferno para recriar. Um doce para sucumbir.

Ela sempre vem, acaba com tudo, e vai embora. Como se fosse simples assim. Os paus derrubados na beira da estrada são um símbolo da devastação sobrenatural. E aí é assim.
"O sujeito precisa depender de ninguém a não ser de suas próprias vontades".
"Sempre soube que não deveria confiar em mulheres que usam santo-alto e pintam as unhas de vermelho".
"Escovar os dentes, lavar o sovaco e comer são só mais preocupações supérfluas, como todas as outras".
"Adorar digressões é um dom tão louvável quanto saber dizer 'toalete' entre maconheiros".
"O mundo exige pessoas cínicas, seja cínico e faça o próximo feliz".
"E assim aprendo que mulheres são pacientes terminais, como doenças degenerativas incuráveis".
"Eu só queria partí-la ao meio depois daquela declaração".
"A arte está querendo me imitar, digam a ela que isso é uma droga".
"Excluo, exumo e expio, e quando penso que o texto está enxuto, ele se suja novamente".
"O glamour é um meio de fugir da mediocridade e preencher um espaço de tempo chamado vida".
"O importante é fazer gastar o tempo e chegar logo à morte".
"Não importa o que se faça, mas faça e se ocupe e chegue até o fim e acabe logo com isso tudo".