domingo, fevereiro 04, 2007

Uma História (Parte cinco).

Por volta das três da tarde, já estávamos na trilha que corta a reserva. Uma linda floresta, bichos e pássaros por todo lado. Deveríamos ir a um pedaço da reserva que era próximo ao mar, acamparíamos na praia. Arrumamos tudo e, ao anoitecer, resolvi dar um passeio em volta do acampamento só para averiguar a região. O Dundee certamente aproveitaria a situação para dar em cima da minha mulher, e ela permitiria. As mulheres quando amam fazem de tudo para ter o objeto amado, depois que o conseguem, deixam de desejá-lo com aquele ardor. É como se a facilidade não lhes fosse interessante ou excitante. Quando ela teve de ir ao Uruguai me resgatar, eu era o homem da sua vida. Agora que estávamos morando juntos, ela dava mole pro Dundee. Homens são objetos nas mãos das mulheres. Brinquedos novos que naturalmente ficam velhos e devem ser repostos, substituídos ou ao menos terem o refil trocado. Quando retornei ao acampamento, os dois tinham sumido. Não me importei, pois conhecendo muito bem aquela mulher leviana, eu sabia o que deveria estar acontecendo. Preparei meu jantar e fui me deitar. O combinado era de que na primeira manhã sairíamos em excursão. Acordei às oito com o guarda florestal me gritando de fora da barraca. As roupas de Ashley tinham sido encontradas perto de um pântano. Mais adiante um pouco, uma perna com bota de alpinista arrojado também fora vista presa a uns galhos ciliares; era o que restava do Dundee. O policial me disse que sentia muito, mas certamente haviam violado os limites que separam o homem da besta que habita aquelas terras. Assinei os papéis e fui embora para a cidade, soberbamente frustrado por não ter feito o safári. Na verdade, nem liguei muito para a perda da Ashley, o casamento já não ia lá essas coisas. E o Dundee, não fosse seu desejo mortal por minha mulher, seria um grande amigo no futuro. Peguei o primeiro avião para casa assim que pude. Resolvi fazer uma surpresa para Mamãe e fui de táxi. Só então soube que o michê a tentara assassinar para resgatar o seguro de vida que ela lhe fizera. Só se salvou quando revelou que o seguro só seria pago caso sua morte fosse natural. O michê fugiu desapontado. Sem saber o que fazer, mamãe conseguiu convencer-me a ficar em casa por uns tempos. Como eu tinha muitos amigos, consegui logo um emprego no hospital e em duas semanas de trabalho já tinha amado quase todas as enfermeiras. Elas me mandavam flores, chocolate, convites para restaurantes finos e todas as demais coisas que eu deveria fazer, mas que não fazia por pura imperícia e descaso. Uma delas chegou até mesmo a me propor casamento. Disse-lhe que o telefone em casa tocava e que eu devia atendê-lo. Todos os dias eu trabalhava durante o dia e amava uma linda mulher à noite. Quase um ano se passou assim e tive de repensar minha vida. Acabei concluindo que aquilo não era pra mim, não, não era. Conversei com Mamãe e ela cedeu atestando minha sabedoria. Adquiri um carro com preparo para estradas em más condições e saí pelo país sem data para voltar. Meu plano era ir para o interior do Mato Grosso ver a miséria sobrepujar a razão do povo que vive como zumbis da lascívia. Um pouco antes, quando ainda passava por Minas Gerais, resolvi dar carona a uma moça que me abordara num posto de gasolina. Ela tinha seios salientes e abundantes, rosto angelical e um palavreado doce, fino, embora vestisse roupas demasiado vulgares. Uma calça jeans rasgada que marcava listras nas coxas perfeitas, uma blusa curta com decote injusto. Claro que eu a daria carona, ela também estava indo para o Mato Grosso e procurava meios para qualquer parte no oeste. O defeito de Luciana era não saber como parar de falar. Contou-me toda a monótona vida que levara durante quase toda a viagem. Paramos em uma cidadezinha para dormir e, após nos hospedarmos no mesmo quarto de hotel, fomos ao centro em busca de um restaurante. Uma conhecida sua jantava na mesma pizzaria aonde fomos e quando se viram, entregaram-se a todo tipo de cortesia desmedida. Após a janta, acabamos indo à casa da amiga, pois haveria uma festa nesta noite. Comecei a beber uma cerveja pensando que dormiria com as duas. Eu estava faceiro como porco de brinco na exposição ou jabuti de oitenta anos. Mais tarde um pouco, chegaram os convidados. A maioria era homossexual, homens e mulheres desviados, talvez mais por falta do que fazer do que por gosto. Corri e perguntei a Luciana se ela também era adoradora do Bacco Rosa. Respondeu que não, mas que não sabia da amiga. Havia muita cerveja e vinho e todos se embriagaram absurdamente. Por volta das três da manhã, já tendo desistido de seguir viagem cedo, um sujeito cujo nome era Clodoaldo iniciou o bacanal beijando Alice, que beijou Joana, que passou a bola para Marcos, que lambeu o céu da boca de Júlio, que veio para mim e então beijei Célia. Pensei que deveria tentar outra mulher, Luciana seria minha numa ocasião bastante breve. Tão rapidamente quanto à mente do homem se torna herege, corpos rolavam na sala inundada de imundície. A vileza reinou e todos se apertavam, lambiam, despiam, comiam. Puxei Célia para um quarto de porta aberta e nos tranquei. Enquanto ela protestava alegando que queria participar da orgia, eu a agradava com meus maiores e incontestáveis préstimos. Em alguns segundos ela estava entregue e resoluta e não me deixar. Os outros participantes não tardaram em sentir nossa falta e vieram ao nosso encalço. Bateram na porta e não me alterei, estávamos quase lá. Seria uma coisa incrível, comunhão indescritível dos prazeres absolutos da terra. Célia, como total estranha, total entregue, e eu total empenhado em fazer daquela noite uma das mais fantásticas de todas. Os invejosos não se cansaram e abriram a porta com uma chave reserva, pegaram-nos no mais sublime transe. Não podíamos nos mover, nem pensar, nem respirar. Estávamos grudados como cachorros e com os olhos virados como indivíduos hipnotizados. Precisaram nos bater e muito para nos acordar. Quando voltei à consciência, os malditos devassados me olhavam com ódio terrível e me expulsaram da casa sem direito a defesa. Luciana veio comigo, não queria perder a carona por causa de um bando de depravados impudicos. Mais tarde, no hotel, ela acabou me confessando que participara daquilo só para me agradar. Dormimos entrelaçados, depois de prodigalizarmos o desprezo que tínhamos para a depravação gratuita com um amor sereno e bem orquestrado.

1 Comments:

Blogger Antonio Diamantino Neto said...

Tô acompanhando.

5:12 PM  

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