Uma História (Parte dois).
No avião a caminho de casa, foi quando pude pensar em tudo o que tinha feito naquele mês e meio. Lembrei-me de Florbela, uma espanhola que conhecera num café de Kensington. Ela era artista plástica e pintava corpos nus. Conversamos muito sobre estética, plasticidade, a capacidade das tintas de nos envolver e nos tomar uma rápida baforada fora da realidade. Nessa mesma noite, fomos para uma boate e dançamos até o outro dia. Dormi na sua casa e ela me pediu para posar. Passei o dia todo caminhando pelado pela sala; ela gostava de movimento. À noite saímos para jantar e não suportamos, acabamos fazendo amor no toalete. Na terceira noite, Florbela tentou me matar. Acordei com cortes superficiais na barriga e ela me desenhando palavras incoerentes com uma faca afiada. Voltei para o hotel no meio da madrugada e pedi ao recepcionista, já meu amigo, que me providenciasse uma prostituta de classe para a próxima noite. Mandou-me uma francesa chamada Ana. Dispensei-a assim que ouvi seu sotaque de francófona. Tenho ojeriza por essas mulheres, conheci muitas delas quando morei em Paris e sempre as coisas que me diziam eram as mais falsas e traiçoeiras de todas. Elas adoram agradar-lhe os ouvidos. São tão dissimuladas e interesseiras que o Casanova perderia tudo o que tem por uma dessas. Na noite seguinte, Félix, o recepcionista Dominicano, me mandou uma russa: Nathalie. Ela era magra e flexível. Branca cor de pó de arroz e longos cabelos louros. Achei melhor levá-la para jantar primeiro. Depois tomamos algumas doses de licor e uísque. Em poucas horas, a tímida, misteriosa e envolvente Nathalie resolveu desabrochar e contou-me um pouco de sua vida. Filha de mineiros, foi entregue à adoção com três anos de idade porque os pais não podiam mais dar-lhe o sustento. Uma família de ex-burocratas do governo vermelho a adotou e deu-lhe uma boa educação em Moscou. Aos vinte e dois, tinha ido a Londres para continuar seus estudos na área da Engenharia. Os pais perderam o monopólio da ex-estatal que tinham conseguido empossar com a quebra do estado. Nathalie desde então passara e se prostituir para conseguir viver no mesmo nível econômico de antes. Cobrava caro a hora e confessou-me que o trabalho era mole: geralmente velhos e bobos carentes, como eu, que a queriam mais para companhia do que para a cama. É incrível como as pessoas não se cansam de te empregar ardis. Estão sempre em busca de um contentamento que não existe. Enganam-se e enganam aos outros. Pagam para ser enganados e para enganar. Nathalie foi realmente uma bela mulher. No avião de volta ao Brasil, conheci Sofia, uma publicitária gaúcha que voltava das férias no Reino Unido. Mamãe fora buscar-me no aeroporto e contei-lhe que estava apaixonado e que iria me casar novamente. Mamãe não me deu muito crédito e nem quis saber do que se passara comigo. Tratou-me como uma criança que sai de casa para fazer travessuras e volta arrependido. A diferença era que eu não estava nem um pouco arrependido. Dois dias depois, resgatei algum dinheiro que tinha em bancos e fundos de investimento e me mandei para Porto Alegre. Eu tinha o telefone do seu escritório e através dele descobri o endereço. Apareci às dez da manhã de uma quinta-feira com flores e chocolates. Apesar do espanto, Sofia gostara da surpresa e almoçamos juntos. Eu tinha recém chegado de viagem, não levava malas e tampouco tinha dado entrada em um hotel. Disse-lhe que a esperaria terminar o expediente lendo algum livro no café ao lado do prédio. Às cinco, horário em que se livrou do serviço por motivo de força maior, e veio me encontrar no café, ainda não tinha entendido que viajara somente para vê-la. Perguntou-me que tipo de serviço vinha eu fazer no Rio Grande e onde me hospedara. Tentei convencê-la do real sentido da coisa e ela me chamou de lunático. Acho incrível a capacidade das pessoas de subverter sentimentos e atitudes das mais nobres em coisas vis e despropositadas. Eu a amava como jamais pude amar uma mulher e ela me encarava do alto de sua ética corporativa, como se eu fizesse parte de tudo aquilo. Esse foi o segundo golpe baixo que sofri do mundo, das mulheres, e da humanidade em geral. Para mim, a humanidade são as mulheres. O que os homens fazem ou deixam de fazer não me interessa em nada. Caminhei sozinho e macambúzio pelas ruas insensíveis de Porto Alegre e tomei um barco no porto que ia para Montevidéu. Antes disso, telefonei para mamãe e contei-lhe do acontecido. Ela ouviu-me sem interrupção e ao final disse que se precisasse de alguma coisa, bastava ligar. Confesso que fiquei emocionado neste momento e até derramei algumas lágrimas. Mamãe estava na minha, tinha finalmente compreendido o real sentido da coisa.
(continua).
(continua).
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