Uma História (Parte um).
Agora que me vejo assim chutado num quarto de hotel poeirento no meio do Mato Grosso com essa tal de Teresa que tá ali no banheiro dando uma escarrada, começo a pensar nos motivos que podem ter me trazido aqui. Sabe, eu era um jovem bem-nascido, com certo talento pra demonstrar aos bobos, aquela coisa, seus pais já adoram te exibir pros outros, principalmente quando você sabe contar piadas obscenas aos cinco anos. Depois, aos doze, você dedilha Fur Elise no piano e eles se gozam. É demais, tanto pra eles quanto pra mim. Mas isso não vem ao caso, como ia dizendo, eu tinha tudo pra ser um daqueles sujeitos que dão certo. Mas a vida muito cedo me envolveu para as suas intenções mais tórridas. Quando eu tinha dezenove, papai morreu, afogou-se no Adriático quando foi dar um mergulho. Estavam num cruzeiro, ele e mamãe. Na minha festa de vinte e três, mamãe, bêbada, confessou-me que estavam brincando de caldinho e que ela perdera a noção do tempo. As pessoas acharam que ela tinha pulado ao mar para salvá-lo. Entrementes, eu estudava em Brasília para ser médico. Quando me formei, decidi que não queria ser um medíocre que usa a profissão para emergir socialmente. Fui para a Tanzânia tratar dos aidéticos, dos miseráveis, dos bêbados suicidas. Passei quatro anos entre Dodoma e o Burundi. Depois fui a Paris fazer alguns cursos de especialização e recebi prêmios por diminuir a mortandade na região onde eu trabalhara. Antes de mim, morriam seis bêbes a cada dez nascimentos, depois, passaram a morrer só quatro. Conheci Zolenka, uma polonesa fabulosa e fomos morar em Kiev. Ela era advogada da ONU e tinha ido a Paris para fazer um curso na Sorbonne. Aprendi ucraniano e polonês. Morávamos em um apartamento simpático próximo à catedral de St. Michel com suas abóbadas douradas. Durante o verão, eu me levantava por volta das oito com o cheiro do café forte da Zolenka e via o sol brilhar naqueles espelhos cor de ouro. Um dia eu quis vir ao Brasil passar alguns dias, rever os amigos, Zolenka não quis de modo algum; disse que se eu viesse, não precisaria mais voltar. Peguei um vôo da British Airways que fazia conexão em Londres. O segundo vôo demoraria três horas e eu não tava com saco de ficar em aeroporto todo esse tempo. Pedi a um taxista que me levasse a um bom hotel no centro da cidade. Eu tinha trabalhado todos aqueles anos na Ucrânia, além de ter acumulado algumas bolsas de pesquisa e os prêmios pelos serviços na África. Em Londres, eu só saía à noite. Não vi os parques, nem os museus, nada. Saí do aeroporto para ficar um dia ou dois e acabei ficando um mês e meio, até meu dinheiro acabar. O tempo todo fiquei hospedado no hotel luxuoso em Knightsbridge saindo apenas pros restaurantes e pubs. Toda noite alguém me carregava de volta pro quarto indescritivelmente impessoal do hotel. De certo, era por isso que eu não me aguentava e bebia demais todas as noites, e não saía à tarde porque não tinha forças. Conheci muitas mulheres. Inglesas, francesas, tchecas, polonesas, africanas, indianas, paquistanesas. Os recepcionistas do hotel me tratavam por Mr. Cosmopolitan. Certo dia telefonei a mamãe e disse que estava sem um tostão, bebendo todas as noites, largado em Londres e ela me mandou o dinheiro para a passagem.
(continua).
(continua).
1 Comments:
muito tempo sem passar por aqui...voltando pra atualizar a leitura...abraco!
Postar um comentário
<< Home