terça-feira, janeiro 30, 2007

Uma História (Parte três).

Em montevidéu, adoeci. E a balconista do albergue para estudantes onde eu tinha me hospedado cuidou muito bem de mim. Trazia-me chá, sopa, deu-me um quarto limpo e exclusivo. Todos os quartos eram muito sujos e cheios. Todos os dias viajantes chegavam e partiam. E eu, na verdade, já chegara doente da viagem de barco. Tinha tomado muita friagem. Rebeca logo se mostrou apaixonada por mim. Pude notar assim que recobrei a consciência. Passei uma semana, já convalescido, sem sair do albergue. Rebeca tinha tomado todas as minhas coisas: dinheiro, roupas, cartões, passaporte. Eu passava o dia todo no computador teclando com gente do mundo pela internet. Rebeca me dava o que podia, calor, comida, carinho, e em contrapartida vinha deitar-se comigo todas as noites após o expediente. Cheguei a mandar alguns e-mails para Mamãe e para alguns amigos contando o que ocorria, mas ninguém acreditou. E ainda me respondiam com piadinhas verdadeiramente engraçadas. Rebeca era uma espécie de funcionária-residente do albergue, também dona, embora ocasionalmente tivesse de prestar contas a um tal de Carlito. Quando eu a perguntava da real natureza dessa relação, ela se esquivava, fazia cara de choro, e me convencia a deixar a querela pra outra hora. Mais tarde, pois não vou deixar de lhes contar, eu descobriria que Rebeca havia sido uma prostituta do Carlito; no entanto, como todo mau negociante, Carlito se apaixonara pelo produto que vendia e caiu na desgraça: comprou o alberguinho e deu-lhe para cambiar de vida. O albergue era dado, mas ele continuava vindo para colher alguns dividendos e dar uma palpitada nos negócios. Segundo ele, apenas resgatava sua comissão. Continuando, nessa semana que passei lúcido mantido em cárcere privado e teclando de doze a quinze horas diárias na internet, conheci Ashley, uma australiana, num daqueles canais de programas para baixar música. Ambos gostávamos de Chic-Chic-Hen-Don’t-Cry e, tão logo iniciamos o papo, descobrimos múltiplas afinidades. Tínhamos o mesmo gosto por cinema: filmes do Charles Bronsom, Steaven Seagal, Mcgayver (sei lá como diabos se escreve isto) e coisas do tipo. Sabíamos de cor todos os hieróglifos egípcios. Sapateávamos Singing In the Rain no chuveiro e nunca nos esquecêramos da vantagem que era ser Earnest. Sério, Ashley era incrível, a verdadeira mulher da minha vida. Contei-lhe o que vinha ocorrendo, dos abusos e maus tratos que eu sofria naquela prisão. Claro que eu não dizia que Rebeca era uma uruguaia boasuda, mas que não passava de uma velha gorda frustrada sexualmente. Após cinco dias de namoro online, já havíamos nos tornado íntimos confidentes e Ashtrey teve uma idéia: resgatar-me. Após três dias da nossa última conversa, eu a vi entrar pela porta do Albergue, toda australiana, polaca, lindona com aquele cachecol empolado e deselegante, aquelas roupas de frio esportivas que mais parecem lonas de plástico enfiadas nas pessoas. Praticamente uma abominável monstra alpinista do inferno gelado, no bom sentido, claro. Não foi difícil escapar, pois tendo alguém que me oferecesse total suporte, bastava sair quando Rebeca fosse acompanhar algum novo grupo de hóspedes ao quarto. Até que não era ruim ter tudo na mão e mais uma Rebecuda todas as noites, pensei no exato momento em que atravessava a porta. Mas como Ashley era a mulher da minha vida, não tinha mais volta. Contratamos um falsário que me fez um passaporte australiano e em quatro dias após a fuga, já com roupas novas, barba e cabelos feitos, pois a tirana da Rebeca me proibia até de cortar as unhas, rumamos para a Oceania.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Cara, muito boa essa história. Além de bem escrita. Continue, continue. Conte aí o que veio depois....

1:39 PM  

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