terça-feira, fevereiro 13, 2007

Uma História (Parte seis).

Sou um sujeito tímido, embora imoral. Não expresso minha imoralidade assim, escancaradamente. Mas também não posso afirmar que sou um ser expressivo. Caminho pelos ventos e desço abóbadas do celeiro de cristal. Como ia dizendo, continuei viagem com Luciana pelo sertão. Parávamos em lugares bastante incomuns, garanto. Com isto, a viajante começou a apresentar-me uma silhueta até então desconhecida. Era certamente uma mulher bacana, sim, ela era. Sabia um pouco do mundo e dos princípios universais. Encontros com moribundos e bêbados fracassados de beira de estrada lhe inspiravam belas anedotas e ótimas citações de Dostoievski. Era culta, disse-me que passou a infância lendo o que mais lhe parecesse estranho na biblioteca do pai em Poços de Caldas. Crescera com educação autônoma. Lecionada somente pelo pai e pela mãe, obteve uma liminar na justiça que a garantiu cursar a universidade sem certificados prévios: passou em quinto lugar no vestibular para Direito na Usp. Após seis meses, desencantou-se com os métodos amarrados da universidade brasileira e resolver saber das Leis por si só. Jurista autodidata, ensinou-me muitas coisas no caminho. Detalhes e aprendizados que não vêm ao caso mencionar, mas que me mancharam para sempre. Chegamos a uma cidade em Goiás, no sul do estado. Era uma sexta-feira e havia cartazes por toda a cidade anunciando o show de uma dupla sertaneja no salão perto da igreja. A muvuca mais esperada do ano, segundo o recepcionista da Pensão Morais onde nos hospedamos bem no centro da cidade. Luciana então me era fascinante. Eu a assistia tomar banhos de trinta, quarenta minutos vivendo um êxtase absoluto, plural em quantidade de sentidos aguçados. Os mais variados panos de fundo, os banheiros das pensões por onde vínhamos nos hospedando, e ela, com seu corpo esplêndido, perpetuando em minha mente os mais doces movimentos higiênicos. Nesta certa sexta-feira, ao sair do banho para irmos ao show, fitou-me nas bolas dos olhos e assim eu soube que ela não passava da mulher da minha vida, mais uma vez, para sempre, como sempre acontecia. O peito bumbou acelerado. A garganta travou e secou, as mãos e o rosto empalideceram e os pêlos da canela se eriçaram. Chegamos ao show e um dos cantores era muito alto, o outro muito baixo. Luciana me fazia dançar com ela, fazia com que eu gostasse das músicas, mandava-me buscar cerveja e acompanhá-la à porta do toalete. Conhecemos um sujeito chamado Morcego, que nos abordara querendo saber de onde vínhamos, atraído por nosso jeito de gesticular e trajar incomuns na cidade. Explicamos para ele com bastante franqueza parte dos fatos. Aprendi que a sinceridade, embora pareça assustadora para estranhos, não passa de um meio de se separar o joio do trigo. Pessoas bacanas, sensatas e decentes, acreditam na verdade independente da cabulosidade em que se caracterizam. Mas isso não importa. Morcego era professor de História para alunos de quinta à oitava série e tinha aquele quê ligeiramente petulante de quem se julga mais inteligente que os demais. Apesar da vaidade desnecessária para com gente como Nós, irrelevamos e o incluímos em nosso círculo. No dia seguinte sua esposa nos cozinhava um almoço feito de galinhada com pequi. Sem muita resistência, aceitamos seu convite e nos transferimos da pensão para sua casa, onde havia um quarto muito bem decorado e que nos protegeria dos revezes por aproximadamente dois meses. Mas isto não importa agora, deixo pra depois. Luciana neste dia me disse que precisava ensinar a idéia da leveza carnal, material e corporal. Segundo ela, homens sem crenças sublimes e místicas, mesmo que dentro de limites naturais, não conservam a virtude primordial em seu gérmen-espírito e por isso serão atormentados pela dor do descaso e da humilhação para sempre. Como eu estava altamente apaixonado por aquela Vaca, perdão pelo termo mas o compreenderão em breve, caí na onda de peixinho. Nada mais eficiente do que aprender algo que a amada ensina, mas não por “vontade de querer” arrecadar o conhecimento, e sim para se exibir para aquela que dá beijinhos molhados de boca cheia no seu coração. Entendo perfeitamente a mente das mulheres, exceto das que amo e das idiotas. Segundo a idéia que obtive dela, somos todos instrumentos sensoriais de uma super-alma. Servimos apenas para estimularmos as sensações da super-alma, ou super-corpo, até atingirmos o nível dois, quando finalmente conseguimos nos desprender desse poder para então nos tornarmos uma alma independente e que gerará, em seguida, os seus agentes sensoriais. Basicamente, somos cílios de um corpo completo. E a parte da autonomia da alma inferior é algo ainda discutível*. Devo contar agora o porquê da nossa expulsão da casa do Morcego após dois meses de hospedagem gratuita e desinteressada.

* N. do A. (Teoria baseada por Túlio Nogueira em leituras desnecessárias e sonâmbulas da madrugada de um estudante forense).
(continua).

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

e aí, cara, continua... cadê a parte sete? tô acompanhando, tô acompanhando.. mandando bem.

9:20 AM  
Anonymous Anônimo said...

ei cara... vou te avisar... a novelinha barata não é inspiração pra ninguém... hehe

11:30 AM  
Blogger Antonio Diamantino Neto said...

Quero mais.Lí desde o início e tô gostando. Um brother que pensa que a gênese literária tem algo a ver com Karl Marx, disse que o personagem não passava de um playboy que via o mundo como Charles Bukowski. Eu argumentei que via somente semelhanças gramaticais quanto aos períodos e a forma da escrita, que não era bem assim. Mas com imbecís que só acreditam em cânones e ainda querem argumentar, só nos resta perguntar como Tom Raiva, persongem do folhetimnanet(acompanhe-capítulo 13):
_você sabe onde é o centro? - perguntei. E o cretiono respondeu:
_Que centro?
_O centro do seu cú! Vá tomar no centro do seu cú.
E teve fim a nossa contenda acerca dos seus escritos. Um abraço.

P.s. I visited your another blog tonight and I read two tales(one is "When The Hell begins smell and the other is a kind of dialog and I think the style is different than this one. Why didn,t you publish there since October last year?

5:43 PM  
Anonymous Anônimo said...

tiago... aparece lá no bar pra tomar umas geladas com o alva... ele vai gostar. hehe

2:28 PM  

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