A História de Augusto Ponciano Sobrinho.
Tudo não deveria ter passado de uma discussão. Eu queria que ela fizesse o certo, um certo que para ela representava mera vaidade minha. Insisto em dizer que não era. Ela entrou pela porta já ofensiva. Disse-me coisas horríveis e eu fiquei calado o tempo todo. Na verdade, nem me recordo mais qual vaidade era essa que eu pedia a ela para satisfazer. Certamente algum favor sexual bizarro, coisas absurdas que costumava lhe pedir e ela fazia meio a contragosto. Eu bebericava meu copo de uísque, o que me mantém calmo e satisfeito. Mas ela crescera tanto em ofensas e perturbações que atirei o copo à parede, peguei-a pelos cabelos e bati seu rosto contra o balcão do bar. Na verdade, lamento muito ter feito isso. Ela tinha um rosto magnífico. Os cabelos luziam como ouro, os dedos eram construções finas esmaltadas do mais cintilante tom de vermelho, os olhos irrevogáveis, altivos e doces; uma meiguice falsa; a máscara de uma onça feroz. Seu irmão mais velho me dissera no nosso matrimônio: “Cunhado, não se assuste quando a Ofélia botar suas garras pra fora. Esse rostinho angelical esconde uma fera”. Nunca mais me esqueci disso.
Temo que não convenha descrevê-la aos senhores, tentarei apenas dar explicações sobre o porquê de ter acontecido o que aconteceu. Senhores, quero que entendam de uma vez por todas, não cometi crime algum, fatos ocorreram, e é isto.
Bem, sei que após atirar o copo à parede e bater seu rosto no balcão, Ofélia disse que queria morrer. Pois bem, eu lhe disse. Fui à despensa e apanhei uma corda. Ofélia se manteve chorando na sala. Busquei uma cadeira da mesa de jantar e trouxe até embaixo do lustre. Subi, amarrei a corda e preparei o nó. Ajudei-a a se levantar do carpete e lhe apontei a corda e o apetrecho suicida. Ofélia se encaminhou descrente do que eu fazia ou a estimulava a fazer. Subiu na cadeira e deixou-se cair em meus braços. Chorava muito. Eu a escorei tentando consola-la e então a encorajei. Ofélia hesitava, eu persistia. Talvez seu ar de descrença e posteriormente a súplica de misericórdia tenham me instigado mais ainda a vê-la morrer. É uma reação direta que sempre tive para atitudes medíocres, elas me enojam. Quando Ofélia decidiu-se a não morrer, disse-me uma dúzia de docilidades enganosas. Não as aceitei. “Disse-me que queria morrer, Ofélia, e agora você vai morrer!”. Eu mesmo subi na cadeira com Ofélia em meus braços, envolvi seu pescoço entre o nó da corda, apertei-o bem para que não falhasse e desci da cadeira mantendo-a segura por um braço. Com uma das pernas chutei a cadeira e a libertei do aperto, Ofélia agonizou por alguns rápidos segundos e então se aquietou.
Arrependo-me profundamente. Na manhã seguinte não havia a sua boca com gosto de noite dormida e mal respirada. Não havia café forte com muito pouco açúcar na mesa. Não ouvi nenhum de seus desagrados comuns que vinham seguidos de beijos espoletas, nem seu resfolegar asmático durante a madrugada. E, pra dizer a verdade, senhores, foi uma droga. Arrependo-me sim, amargamente, pois sinto falta, saudade, e ódio por ela ter partido. Confesso que poderia tê-la salvado, mas não pude, não sei se podem me entender, mas na hora me faltaram forças decisivas. Juro que não a matei, ela quis morrer e eu apenas a ajudei terminantemente por ela ter zombado da minha capacidade de fazê-lo, foi um ato sincero. Detesto ser menosprezado, não posso ser tido como incapaz. Sempre fui honesto e solícito para com minha mulher, não poderia ter lhe negado o desejo de morrer. Sinto muito, principalmente por mim.