Uma História (Parte oito).
Quando atingimos o estado de Santa Catarina, o sol brilhava forte e sentimos o poder magistral dos deuses tutelares das intempestividades acolchoando nossas tristezas, fracassos e temores. Tínhamos um ao outro e aventura pela frente. Luciana riscou um fósforo e acendeu seu cigarro. Deu três tragadas profundas, abaixou o vidro e tirou a cabeça pela janela para gritar “viva os dias” e se afogar na própria fumaça dispersada pelo vento. Chegamos a Garopaba num final de tarde. Encontramos uma pousadinha marota perto do mar, numa área afastada e concordamos em procurar o Sr. Flatulência somente no outro dia. O pôr-do-sol tinha sido belo demais para pensarmos em pendências. Jantamos frutos do mar com uma boa garrafa de vinho e fizemos l’amour até desmaiar com os olhos virados-trincados. Acordamos com o sol queimando nossos rostos pela cortina que deixáramos mal fechada. Pegamos o pedacinho de papel em que o endereço do homem estava escrito e pedimos informação à recepcionista. Eram onze horas da manhã quando tocamos o interfone da casa do italiano e sua mulher nos atendeu. Dissemos que tínhamos um assunto delicado para ser tratado com o homem da casa. Entramos e ela nos serviu chá com biscoitinhos enquanto o balofo tomava banho. Quando o monte de pelancas desceu as escadas e seus olhos cruzaram os de Luciana, ela começou a chorar. O italiano correu em socorrê-la totalmente afetuoso. Começaram a se beijar. Eu e a esposa do gordo nos entreolhamos estupefatos enquanto os malditos de despiam, ali, na sala de visitas da casa às onze de uma manhã de sábado. Fizeram o que tinha de ser feito num acesso inviolável de desespero. Um amor inquebrantável, inatingível, impossível de ser compreendido. Quando terminaram, continuaram nos ignorando e se perguntavam por onde tinham andado, o que tinham feito. Sacudi Luciana e pedi-lhe explicações. O gordo me deu um soco que inchou a bochecha. Tentei retribuir-lhe na pança, mas não teve efeito. Então eu disse para agirmos com sensatez. Luciana, quer ficar aqui com este gordo seboso e esquecer tudo o que aconteceu entre nós?, perguntei. Sim. Andate voi due bastardi!, exclamou o pança. Peguei sua mulher, que por sinal era bacana e chorava oceanos e sumimos de lá. Então no carro lhe disse, não se preocupe, belezura, tudo se acertará. Passamos por um boteco enquanto eu me empenhava em saber o que fazer naquele momento delicado, uma mulher se desmanchava ao meu lado. Achei que seria uma boa idéia. Poderíamos comer um pf (prato-feito) e tomar cervejas. Isso aliviaria. Não há nada melhor do que comer comida de boteco bebendo cerveja quando você não tem inspiração para como escrever as linhas dos seus dias. Geralda, a ex-mulher do Gríngola over-quilo topou na hora abrindo um daqueles sorrisos pós-soluço que desmantelam qualquer homem com um pingo de sensibilidade. Havia figuras interessantes no bar. Um homem sempre ao balcão com sua Heineken verde, um garçom com cara de bunda e moças fabulosas desfilando charme e talento pelo salão do bar carregando bandejas. Lindas. Pedi uma verdinha também, pois o simples vislumbre me secou a goela. Geralda pediu o mesmo, soltando risinhos espontâneos e lindos. Olhava-me de rabo-de-olho timidamente, toda desenxabida, sem saber o que fazer, falar, pensar. Bom, pelo menos já parou de chorar, não é gracinha, eu disse a ela. É, o senhor é muito gentil, ela me disse e pude então perceber que se tratava de uma ninfetinha de no máximo vinte. Pode ficar descansada, doçura, vou cuidar muito bem de você. O que quer comer? Pedi dois pratos daquilo que ela tinha escolhido para uma garçonete pernudona daquelas enquanto bebericávamos nossas verdes.
(continua).