terça-feira, novembro 07, 2006

Estrebuchada.

- Eu tinha convicções firmes e que eram defendidas dialeticamente, podia argumentar tudo o que dizia, provar!
- É uma lástima que ainda hoje existam instituições que defendam ideologias decadentes através do recurso da censura.

Um pano verde. Uma pena quadriculada. Vejo tudo e mais o asfalto. Os dedos do céu tocam a penumbra. Caminho cem passos, ávido pela sombra. Pedalo duzentos metros, embalado pelas cantigas de escárnio que cegam letreiros e ouvidos. Não se faz mais rosa de algodão como nunca se fez.

- Você deve falar com a Professora Teresa.
- Mas eu já falei com ela.
- Quando?
- Ontem à tarde.
- Pois é, a decisão foi tomada ontem à noite.
- Mas ela tinha me dado a sua palavra.
- Mas não podemos.
- Eu não entendo como uma instituição não pode fazer um micro-esforço para garantir um aluno, e dos bons, hein! DOS BONS!
- Sinto Muito, mas vai ter que falar com ela novamente.

O elevador emperra. A poeira rodopia e meus olhos cerram. Tudo me dói em desgosto. O sabor do ódio desinteressa, prefiro o da revolta pró-ativa. “Eu vou fazer tudo, e depois cagar na cara desses babacas de merda!”, penso, “Calma, tudo vai passar, basta ser redundantemente cínico e cortês, não diretamente nessa ordem”. Se eu pelo menos conseguisse...

O gosto de carne salgada conservada por meses na geladeira queima. Há belisquetes de azeitona com limão, e cerveja. Mordo.

- Seu pai vinha de um país que era inimigo do país que você gostava.
- Como assim?
- É, e você colecionava muitas coisas caras e legais desse país, escondido do seu pai, mas no fundo, você sonhava que ele descobrisse a sua coleção profana, seria para ele uma afronta e pra você, uma vingança.
- E quais países eram esses?
- Não sei, não lembro, só sei que você viajou e deixou uma rampa como pista para se chegar ao seu quarto. Naturalmente, seu pai a seguiu e descobriu a coleção.
- E você estava onde?
- Eu estava na sua casa, que na verdade era bem grande e se assemelhava a uma escola. Era estranho, havia pessoas diferentes todos os dias, e só sei que eu era uma terapeuta, mas não sei exatamente o que eu fazia na sua casa.
- Hã…
- Daí você me ligou e disse para impedir que seu pai visse a coleção. Quando subi para o quarto, seu pai estava encaixotando tudo para jogar no lixo. Eu não sabia o que falar. Algumas horas depois, você chegou de viagem, mas muito calmo. Eu lhe contei como tudo ocorrera e você não se importou, disse que de certa forma esperava aquilo. Depois nós estávamos na mesa de jantar, inclusive seus irmãos, e eu dava dicas de comportamento para todos vocês. A minha estada lá tinha sido para diagnosticar a família.
- Que viagem.
- É daí o telefone tocou, eu acordei e... puxa vida: era você dizendo que tinha chegado de viagem!

Corro contra o tempo, contra o cheque devolvido, as contas a pagar, o dízimo a debitar. Dia desses o homem da casa do câncer veio colher a sua contribuição mensal, e eu o escorracei dizendo: “Vá pra puta que o pariu que os seus tempos de vacas gordas sugadoras daqui de casa acabaram!”. E assim se sucedeu com o coroinha da igreja que vinha recolher a ajuda da paróquia, o enviado dos Meninos de Jesus, o Zé Ruela que vem de moto vender desinfetantes e detergentes batizados por preços altíssimos sob a bordoada hedionda de que: “É para o Senhor”. Meu é para o senhor! Meu ! “Ai, mas todo mêis venho aqui e a Dona aí ajuda”; “Ah é, seu vèado, então é por isso que ela tá fodida! Vaza daqui!”. Eu só entreguei o caixote que a gente separa pro homenzinho do lixo reciclável. Coincidentemente, ele foi o único que não notei que estava no portão batendo palmas, pois para ele os cães não ladram loucamente como fazem pros outros.

- Eu poderia falar com a Professora Teresa, por favor?
- Claro, só um minutinho, aceita água, café, chá, suco?
- Não, não, brigado, vai ser rápido.
- Ok, fique à vontade, por favor.
- Brigado.
- Você é calouro?
- Não sei ainda se vou ser.
- Tá, de que curso?
- R.I.
- Ah, vai ser meu calouro!
- Ah é?, legal.
- É, é bem legal o curso, bastante mesmo.
- Que jóia. E o que que se aprende no curso?
- Ah, muitas coisas, sabe, é assim, de tudo um pouco, um agregadão.
- Sei, deve ser tipo o cozidão da minha avó.
- Quer que eu te explique com mais detalhes?
- Não, não precisa não, eu já li os detalhes no folder. Mas e aí, o que você faz nos fins de semana?
- Ah, nada de mais, essa cidade mais parece um cemitério.
- É verdade, mas algo você deve fazer.
- É, às vezes vou ao cinema com minhas amigas, nas festas do Indaiá, barzinho beber e ouvir música ao vivo de vez em quando.
- Poxa, bacana, a gente podia fazer qualquer coisa dia desses. Me passa seu telefone que eu te ligo e a gente combina algo. (tipo... trepar loucamente, sua safadinha, eu tô vendo sua cara de pilantrinha, deliciosa, cadela).
- Beleza, anota aí.
- Pode falar.
- Ah, você não é amigo da Ciclana, da Fulana e da Beltrana?
- Sou, por quê?
- É que eu já te vi na rua por aí, acho que com elas.
- É, eu vivo nesses botecos por aí, como você disse, a cidade é um cemitério, mas ainda assim a gente tem que fazer alguma coisa.
- É verdade...

Colo adesivos de desejos não-cumpridos nas paredes do meu quarto. Estrelinhas que brilham quando a luz se apaga. Mesmo assim, nunca fica tudo escuro, há a luminosidade que entra pelo buraco da janela, falha, persiana, venesiana, caraliana, qualquer coisa dessas.

- Corre, corre que aqui é perigoso.
- Eu vejo tudo, pode deixar, ninguém tá vindo pra perto.
- Mas aqui eles surgem de todo ou qualquer lugar.
- Mas, Zezinho, aqui só há esgoto e bueiro entupido.
- Eles aparecem, acredite em mim, eles aparecem.

Paz e vida boa. Lutar e desgraçar a vida de outras pessoas. Dormir e não fazer. Sonhar e velejar a insanidade. Adormecer sobre o oco. Estremecer de ternura. Apertar calombos na coluna vertebral. Espremer cravos. Morder unha e cantos de dedo, dela. Os meus não valem à pena. Sou os pedaços supimpas de uma corrosão bem pensada. Retículo Endoplasmático.

- Sim, pois não Tiago.
- Tudo bom, professora, como vai a senhora?
- Tudo ótimo, em que posso ajudá-lo?
- Olha só, professora, ontem eu vim aqui ter com a senhora uma informação desencontrada. A verdade é que eu agilizei os papéis e as exigências sob as condições que a senhora havia me passado. E aí hoje, quando na secretaria, uma dessas condições, talvez a mais importante, havia mudado. E se isso não se resolver, eu vou embora e vou querer que tudo se dane. Sabe, eu acho tudo isso uma grande pena, eu só queria fazer tudo muito corretamente e queria que houvesse um maior comprometimento. Tudo bem, as regras podem sim serem alteradas, mas não as que já me foram ditas. Sabe, professora, eu sou um sujeito de palavra, e acredito que as pessoas que não cumprem a palavra devem chupar lama. Eu quero que se dane se a condição estipulada era inviável para vocês e foi tomada por uma decisão equivocada. A questão é que, por um equívoco maior ainda, ela chegou a mim e eu estou aqui hoje como resultado da informação de ontem, para cumprir as determinações de ontem. A palavra tem que ser mantida e o que trago aqui hoje não foi fácil de ser obtido. Eu não vou voltar para casa para tentar novamente conseguir atender às suas condições e, por isso, por essa falta de comprometimento escrota e ridícula, vocês vão perder um aluno, e dos bons hein! DOS BONS! Fui claro?
- O que acontece…, o … Tiago é que eles me avisaram da nova regra depois que você já tinha saído.
- Não me interessa, o que me foi dito foi dito, está aqui nesta pasta e vai se cumprir.
- É, ô Eria, autoriza aí por favor a matrícula do Tiago. Sim, tá certo, depois eu me viro com ele, pode deixar, fala que eu autorizei. Obrigada.
- Pronto, seu Tiago, pode ir lá de novo.
- Muito bem.

Há pessoas burras, pessoas muito burras, e pessoas mais ou menos burras. Todas elas me incomodam profundamente. Não que eu não possa ser um dos muito burros, mais ou menos burros, ou dos simplesmente burros. A questão é que elas me incomodam profundamente.

- Ô Professor, qual música vai ter hoje?
- Ahá, surpresa!
- A não professor, fala logo, porque se for daquelas chatas eu vou dizer que tô com dor de cabeça e vou pedir pra sair mais cedo.
- Negorétis ô Dona Mocinha, vai ficar aí sentadinha até o finalzinho da aulinha, belezinha?
- Tsc, hum…tchá, tchum.

Bailar pelado pelos campos Elíseos deve ser um privilégio dos deuses que seria duramente castigado como um sacrilégio dos homens. Os amotinados é que sabem disso, pois para eles, nada passara de um simples desfile de carnaval, ou entrudo.

- Ô professor, por que é que se escreve isso assim?
- Sei lá, poxa, você deve tá me zoando, né? Olha só, pessoal, por que vocês não desistem dessa burrice diletante? Burrice não é arte não, pinga não é água não, aula não é picadeiro não, eu não sou otário não, filho vem da cegonha não e coco não é cocô não.

Papai dizia que eu devia ser palhaço quando crescesse, mas minha voz só enrouquecia. Depois de grande, eu decidi que seria patife, mas palhaço não, não rola.

Queria só ver logo no que isso vai virar.

1 Comments:

Blogger Guilherme N. M. Muzulon said...

Se der bons frutos... diiigo... se cair-lhe nas palmas bufunfa das Bôa, então fuja logo dessa garoa, desse chuvisco ácido, Jerry dos brotherhood.

heheh.

9:18 AM  

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