Série Vestibular: Ainda é cedo.
Começo cedo. Esquento a água para preparar meu café enquanto queimo uma fatia de pão com queijo no micro-ondas. Uma xícara enorme com um dedo do fundo coberto de açúcar mascavo é tudo o que necessito para sair da meia-fase. Café preto, bom, forte, cheiroso e doce. Tomo um copo de água, engulo o pão, vou para a sala com a xícara e ligo a televisão. As notícias de manhã são sempre as mais legais, e o melhor de tudo é chegar na escola já sabendo várias besteiras sem ter tido que folhear o diário impresso. Quando a xícara de café acaba, enfio o dedo no nariz. Daí são mais quinze ou vinte minutos, dependendo da gravidade das notícias. Coço, cutuco e acaricio meu cérebro pela parte interna da narina. Às vezes uma coriza escorre, de boa; em outras, estouro alguma veia e sangro. Logo que me canso da tv, vou ao banheiro e dou aquela mijada amarela. Em algumas manhãs, tenho até de virar o rosto por causa do cheiro forte de amônia que sobe do vaso. Alas! E aí saio para o mundo.
Há quem critique o horário em que me levanto. Dizem que sou louco, podia enrolar mais trinta minutos na cama. Que nada, loucos são eles, sempre apressados. Escrotos, malditos. Levantar-se tem de ser um ritual cuidadoso. Ninguém vem ao mundo assim cuspido. Ninguém decente, digo. Nos tempos da saliência excessiva, paciência se torna três vezes virtude.
Encho o pneu da bicicleta todos os dias. Só o traseiro. Ele sempre amanhece murcho. Dia desses levei a magrela ao borracheiro, ou bicicleteiro, sei lá que porra era aquela, e o sujeito a virou de ponta-cabeça; desparafusou e tirou a roda. Abriu o pneu pelos cantos até chegar na câmara. Daí enfiou ela numa caixa d’água improvisada. Rodou, girou, mexeu, e por fim disse:
- Não tem furo aqui não, meu.
- Tem sim cara, todas as manhãs eu tenho que pedalar naquela bombinha pra encher. Tá furado sim, vê direito isso aí.
- Não tá cara, já vi.
- Ah bom, então sei lá quê que isso.
- Posso montar?
- Pode.
Achei uma moeda de cinqüenta centavos e quis dar a ele. Não quis, o mané, disse que não era nada. Mas deixei-a lá mesmo assim, a moedita.
Pedalei grilado de volta para casa e disse pra Vovó:
- Ô vó, eu levei a bike lá pro homi e ele disse que não tava furada.
- Mas como?
- Ah, sei lá, a bike não tá furada. Ou eu tô muito louco ou ela murcha sozinha, porque eu bem sei que todas as manhãs xingo deus por ter de pedalar naquela bombinha escrota pra encher o pneu.
- É, sei lá então. Mas e agora, o que fazer?
- Ah, sei lá, de certo vou continuar me fodendo, ou então faço como fiz nos últimos dois dias: vou com o pneu murcho mesmo.
- Mas dá pra ir assim?
- Ah, dá ué. É meio puxado o negócio, sabe, fica pesado pra pedalar, eu sinto todas as pedrinhas do asfalto rimbombarem na minha bunda. É porque o selim, sabe, sem o apoio do pneu cheio, fica muito sensível, e se o selim fica sensível, meu traseiro sente. E às vezes eu vejo uns otários rindo de mim na rua. Outros tentam ser bonzinhos e me gritam: “Ô doidão, seu pneu tá furado!”, daí eu respondo: “Êu sêei, podicrê, valeu bicho”.
- Vixi, tá danado então.
- É.
Há quem critique o horário em que me levanto. Dizem que sou louco, podia enrolar mais trinta minutos na cama. Que nada, loucos são eles, sempre apressados. Escrotos, malditos. Levantar-se tem de ser um ritual cuidadoso. Ninguém vem ao mundo assim cuspido. Ninguém decente, digo. Nos tempos da saliência excessiva, paciência se torna três vezes virtude.
Encho o pneu da bicicleta todos os dias. Só o traseiro. Ele sempre amanhece murcho. Dia desses levei a magrela ao borracheiro, ou bicicleteiro, sei lá que porra era aquela, e o sujeito a virou de ponta-cabeça; desparafusou e tirou a roda. Abriu o pneu pelos cantos até chegar na câmara. Daí enfiou ela numa caixa d’água improvisada. Rodou, girou, mexeu, e por fim disse:
- Não tem furo aqui não, meu.
- Tem sim cara, todas as manhãs eu tenho que pedalar naquela bombinha pra encher. Tá furado sim, vê direito isso aí.
- Não tá cara, já vi.
- Ah bom, então sei lá quê que isso.
- Posso montar?
- Pode.
Achei uma moeda de cinqüenta centavos e quis dar a ele. Não quis, o mané, disse que não era nada. Mas deixei-a lá mesmo assim, a moedita.
Pedalei grilado de volta para casa e disse pra Vovó:
- Ô vó, eu levei a bike lá pro homi e ele disse que não tava furada.
- Mas como?
- Ah, sei lá, a bike não tá furada. Ou eu tô muito louco ou ela murcha sozinha, porque eu bem sei que todas as manhãs xingo deus por ter de pedalar naquela bombinha escrota pra encher o pneu.
- É, sei lá então. Mas e agora, o que fazer?
- Ah, sei lá, de certo vou continuar me fodendo, ou então faço como fiz nos últimos dois dias: vou com o pneu murcho mesmo.
- Mas dá pra ir assim?
- Ah, dá ué. É meio puxado o negócio, sabe, fica pesado pra pedalar, eu sinto todas as pedrinhas do asfalto rimbombarem na minha bunda. É porque o selim, sabe, sem o apoio do pneu cheio, fica muito sensível, e se o selim fica sensível, meu traseiro sente. E às vezes eu vejo uns otários rindo de mim na rua. Outros tentam ser bonzinhos e me gritam: “Ô doidão, seu pneu tá furado!”, daí eu respondo: “Êu sêei, podicrê, valeu bicho”.
- Vixi, tá danado então.
- É.
2 Comments:
AHAHAHA
ri demais com essa parada da bike cara!
você ainda usa aquela monark branca com azul?
Sem querer rasgar seda e já rasgando, te digo que essa tua maneira de lidar com fatos banais do cotidiano de maneira direta e autêntica lembra o melhor do Velho Safado.
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