Dra. Suzana.
Enquanto eu caminhava pela rua cheia de pedrinhas para serem chutadas, os cães me olhavam encabulados. Eu parecia ser uma espécie de demônio para eles. Estacionei a caranga vinho em um bar e disse ao homem do balcão:
- Teobaldo, uma dose da Minha Deusa e a conta, por favor.
- É pra já gurizinho.
Teobaldo sempre foi um dos meus amigos, um homem eficiente e compreensivo.
- Qual é a boa da noite?
- A busca, Teobaldo, a eterna busca da boa da noite.
- E aquela piranha que veio com aqui com você nas últimas três vezes?
- Como você mesmo disse, piranhou. Era uma piranha.
- De fato, você sempre pagava a conta e ela pedia as doses mais caras.
- Pois é, além de tudo me deixou falido. Vaca.
- Vacas mesmo. Vai guri, toma essa outra aqui que é de carvalho, recomendação minha, pela casa.
- Brigado Teobaldo, poxa, você é um bom sujeito.
Saí com o coração nos punhos e o estômago palpitando na garganta. Sentia todas as mínimas nervuras das entranhas e aquilo me era enormemente lindo. Funcionei a caranga vinho, abri o vidro e senti a fingidamente acolhedora brisa do campo, senti-me forte, vivo, inspirado, como me sinto todas as noite em vão. É primavera, mas não faz tanta diferença. As flores estão vibrantes e me sinto na obrigação de também estar, sou ou quero ser uma delas. Mas o caule apodresce, o suco azeda, a seiva embrutesce e a essência peresce. Tive dois invernos, duas primaveras e dois verões nesse ano. Um ano atípico, com apenas um outono. Talvez este tenha sido o grande erro, viver apenas um outono em um ano tão opulento, quando todas as formas se duplicaram, a vida se coloriu em trinta e duas vezes. Já não é mais a minha cidade que se transforma quatro vezes ao ano. É um lugar onde as voltas do mundo simplesmente não fazem a menor importância.
Estava em frente à casa de Suzana e quis telefoná-la para dizer que estava lá. O desejo do joguete me dominou. Disse que estava longe. Suzana saiu de pijamas e viu a caranga vinho. Entrou só para conversar comigo; tentar me convencer de que eu era louco, como fez por muito tempo após as sessões de sexo que empreendíamos em seu consultório. Seus pais viam televisão e tomavam vinho. Ela não mais sairia. Funcionei a fiel caranga bordô e a levei embora. Suzana tinha medo. Eu não. A velhice antecipada me dava aquela sensação dos aventureiros, ou presidiários, coisa de quem não tem nada a perder. Suzana implorava para que eu voltasse. Implorei-lhe um último beijo. Parei no posto central e peguei duas cervejas. Suzana não quis. Prometi-lhe que a levaria embora se tomasse. Fomos à rua do cemitério, e prometi-lhe que a levaria para casa se trepássemos sobre um túmulo. Suzana então chorava, tinha medo de mim. Eu era um monstro. Pedia a ela calma.
- Não Suzana, não é assim. Eu só quero amá-la, fazer carinho em você.
- Me leve para casa, por favor.
Os lábios pequenos, gordinhos e cheios de Suzana me convenceram, sem mais veneno, sem mais perfídia. Pedi a ela para que nunca mais me enganasse, ela jurou. Deixei-a de volta aos pais que nada perceberam entretidos com Mazzaroppi no DVD da família, e vinho. Acabei me arrependendo de não tê-la levado ao motel, a qualquer lugar. Ela tinha que ser minha sobre um túmulo, e depois beberíamos vinho e ela adoraria. Eu deveria ter insistido, somente, para o próprio bem dela.
Mais tarde eu revolveria na cama como se tivesse ingerido todos os meus desafetos. E os desgraçados planejavam as mais ousadas revoluções dentro do pobre estômago. L’alcool, eu já não posso consigo. Imagens do dia que conheci Suzana me assaltavam. Estávamos no sinaleiro. Ela virou o rosto exatamente na hora que o vermelho tinha se fechado e eu freava o carro com raiva. Quando o carro parou totalmente, olhei de novo. E ela me sorria de dentro dos óculos escuros. O vidro sem insulfilme se abriu vagarosamente e um cartão me foi oferecido. Estudei os caracteres e eles simplesmente não me faziam sentido, eram como um amontoado de letras (in)dispostas anarquicamente sobre um papel retangular e rígido. Em milésimos, o carro dela sumia no horizonte das ruas e buzinas mais palavrões ultrajavam meus ouvidos. Perdi mais um lance do sinal. Motoristas enlouqueciam, e eu vivia a plenitude do momento. No terceiro lance do sinal, avancei, parei em uma choperia, pedi uma com o copo sujo e resgatei o cartão para tentar decifrá-lo.
Disquei o número.
- Boa tarde, consultório da Dra. Suzana.
- Éh, hum, consultório de quê aí?
- A Dra. Suzana é psicanalista, em que posso ajudar?
- Quero marcar uma consulta.
- Teobaldo, uma dose da Minha Deusa e a conta, por favor.
- É pra já gurizinho.
Teobaldo sempre foi um dos meus amigos, um homem eficiente e compreensivo.
- Qual é a boa da noite?
- A busca, Teobaldo, a eterna busca da boa da noite.
- E aquela piranha que veio com aqui com você nas últimas três vezes?
- Como você mesmo disse, piranhou. Era uma piranha.
- De fato, você sempre pagava a conta e ela pedia as doses mais caras.
- Pois é, além de tudo me deixou falido. Vaca.
- Vacas mesmo. Vai guri, toma essa outra aqui que é de carvalho, recomendação minha, pela casa.
- Brigado Teobaldo, poxa, você é um bom sujeito.
Saí com o coração nos punhos e o estômago palpitando na garganta. Sentia todas as mínimas nervuras das entranhas e aquilo me era enormemente lindo. Funcionei a caranga vinho, abri o vidro e senti a fingidamente acolhedora brisa do campo, senti-me forte, vivo, inspirado, como me sinto todas as noite em vão. É primavera, mas não faz tanta diferença. As flores estão vibrantes e me sinto na obrigação de também estar, sou ou quero ser uma delas. Mas o caule apodresce, o suco azeda, a seiva embrutesce e a essência peresce. Tive dois invernos, duas primaveras e dois verões nesse ano. Um ano atípico, com apenas um outono. Talvez este tenha sido o grande erro, viver apenas um outono em um ano tão opulento, quando todas as formas se duplicaram, a vida se coloriu em trinta e duas vezes. Já não é mais a minha cidade que se transforma quatro vezes ao ano. É um lugar onde as voltas do mundo simplesmente não fazem a menor importância.
Estava em frente à casa de Suzana e quis telefoná-la para dizer que estava lá. O desejo do joguete me dominou. Disse que estava longe. Suzana saiu de pijamas e viu a caranga vinho. Entrou só para conversar comigo; tentar me convencer de que eu era louco, como fez por muito tempo após as sessões de sexo que empreendíamos em seu consultório. Seus pais viam televisão e tomavam vinho. Ela não mais sairia. Funcionei a fiel caranga bordô e a levei embora. Suzana tinha medo. Eu não. A velhice antecipada me dava aquela sensação dos aventureiros, ou presidiários, coisa de quem não tem nada a perder. Suzana implorava para que eu voltasse. Implorei-lhe um último beijo. Parei no posto central e peguei duas cervejas. Suzana não quis. Prometi-lhe que a levaria embora se tomasse. Fomos à rua do cemitério, e prometi-lhe que a levaria para casa se trepássemos sobre um túmulo. Suzana então chorava, tinha medo de mim. Eu era um monstro. Pedia a ela calma.
- Não Suzana, não é assim. Eu só quero amá-la, fazer carinho em você.
- Me leve para casa, por favor.
Os lábios pequenos, gordinhos e cheios de Suzana me convenceram, sem mais veneno, sem mais perfídia. Pedi a ela para que nunca mais me enganasse, ela jurou. Deixei-a de volta aos pais que nada perceberam entretidos com Mazzaroppi no DVD da família, e vinho. Acabei me arrependendo de não tê-la levado ao motel, a qualquer lugar. Ela tinha que ser minha sobre um túmulo, e depois beberíamos vinho e ela adoraria. Eu deveria ter insistido, somente, para o próprio bem dela.
Mais tarde eu revolveria na cama como se tivesse ingerido todos os meus desafetos. E os desgraçados planejavam as mais ousadas revoluções dentro do pobre estômago. L’alcool, eu já não posso consigo. Imagens do dia que conheci Suzana me assaltavam. Estávamos no sinaleiro. Ela virou o rosto exatamente na hora que o vermelho tinha se fechado e eu freava o carro com raiva. Quando o carro parou totalmente, olhei de novo. E ela me sorria de dentro dos óculos escuros. O vidro sem insulfilme se abriu vagarosamente e um cartão me foi oferecido. Estudei os caracteres e eles simplesmente não me faziam sentido, eram como um amontoado de letras (in)dispostas anarquicamente sobre um papel retangular e rígido. Em milésimos, o carro dela sumia no horizonte das ruas e buzinas mais palavrões ultrajavam meus ouvidos. Perdi mais um lance do sinal. Motoristas enlouqueciam, e eu vivia a plenitude do momento. No terceiro lance do sinal, avancei, parei em uma choperia, pedi uma com o copo sujo e resgatei o cartão para tentar decifrá-lo.
Disquei o número.
- Boa tarde, consultório da Dra. Suzana.
- Éh, hum, consultório de quê aí?
- A Dra. Suzana é psicanalista, em que posso ajudar?
- Quero marcar uma consulta.
1 Comments:
reconheço esse negócio de pedir uma e a conta de algum lugar, rá!
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