segunda-feira, agosto 21, 2006

Claro.

Assim que os dias se tornam claros e se recuperam das insalubridades turvas de outrora, a chave de ouro passa a sustentar as cinzas dos cigarros mal-apagados dela. Eu tinha dado o maldito molho de chaves a ela. Tinha a chave da porta da frente, de trás, do meu quarto, do meu escritório, da minha adega e do meu banheiro. Ela podia fazer tudo o que quisesse comigo com aquelas chaves, jamais deveria ter lhe confiado aquele molho.

Acordei com o rosto estático dela sentada a minha poltrona me assistindo dormir. Segundo ela, estivera ali desde às oito da manhã, e eram onze. Ela sorvia uma de minhas muitas deliciosas garrafas de vinho cuidadosamente guardadas na adega. Perguntei a ela o que fazia. Disse-me que tinha algo muito importante para dizer.

Tirou a roupa e entrou em minha cama como se entrasse em mim. Senti algo estranhíssimo, pela primeira vez era como se eu fosse penetrado, e por uma dama. Dei-lhe bofetadas para que parasse com aquilo, e então percebi que era pura alucinação. Ela cuspiu em meu rosto e eu mordi o seu queixo. Reclamou e começou a me bater. Eu fiz carinho a ela. Que não gostou, levantou-se da cama, pegou o sacador de rolhas e enfiou em meu peito, depois começou a torcer e destorcê-lo, abrindo buracos em mim. Eu sentia apenas um prurido leve. E quando vi o vermelho, eu disse a ela: Meu bem, você me derramou vinho, vai, lamba-me agora! E ela me lambeu com prestígio o sangue que então escorria copiosamente dos meus ‘pruridos’.

Senti minhas forças se esgotarem vagarosamente, e ela me lambia. Eu gostava daquilo, imaginava que estava atingindo um altíssimo grau de elevação espiritual, pois meu corpo era lambido, afagado, massageado, e, além disso, eu mergulhava num desfalecimento jamais sentido. Rosas plúmbeas anuviavam o quarto. As cortinas se fechavam para esconder o sol forte do meio-dia. Tudo como se fosse natural, o cheiro e gosto de sangue na boca como se fossem óbvias sensações. O mundo nunca me parecera tão certo.

Adormeci suavemente com ela me lambendo e entre os cílios eu a vi parar, se levantar da cama, se vestir e ir embora trancando a porta com o meu molho de chaves. Fiquei miseravelmente prostrado na imensa cama sorvendo meu sangue junto à sozinhez. Tentei inúmeras vezes gritar o seu nome, em vão, pois as forças se me faltavam. Desejei apenas sorver uma última taça de vinho, e ela não tinha nem mesmo me providenciado isso. Imergi em uma realidade de sensações lúgubres. Abelhas me picavam o corpo com alfinetes encantados. Minhas lágrimas escorriam por ralos que remetiam ao paraíso. Tentei me enfiar por um deles. Mas não pude. A língua travou, as sensações cessaram, o olho empedrou, a verdade se revelou, e o desejo ardente secou.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

O Tiago, em sua mais alta atividade de alucinação!E não é difícil se sentir assim, com pruridos em nossos peitos.

4:31 AM  

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